A essência do direito do ter, do capital, é econômica. Sua substância é a produção de valor baseada em uma exploração do trabalho
“Relações jurídicas, tais como formas de Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim chamado desenvolvimento do espírito humano, mas ao contrário, elas se enraízam nas relações materiais de vida”
(Marx – Para a crítica da economia política)
Tempos difíceis
Estamos em tempos difíceis. Tempos em que os discursos não estão conectados às suas respectivas práticas. Tempos em que a separação entre o dito e o feito, revela a real consolidação de um processo social que não consegue concretizar os princípios republicanos da liberdade, igualdade, fraternidade.
Nestes tempos difíceis, de consolidação de uma hegemonia de classe que passa pela afirmação de suas regras como verdades aparentemente inquestionáveis, pensar em direito é pensar desde o foco da direita ou da esquerda. Isto significa interpretar, se posicionar em um direito do ser baseado no ter (direito da direita) ou um direito do ser para além do que se tem materialmente (direito da esquerda).
A essência do direito do ter, do capital, é econômica. Sua substância é a produção de valor baseada em uma exploração do trabalho, subsunção formal dos sujeitos a esta lógica exploratória, cuja divisão internacional do trabalho define a formatação dos indivíduos, em suas respectivas ações subordinadas ao capital.
É essa mesma lógica de produção baseada em novos mecanismos de escravidão do trabalho, que ocorre a conformação política do poder econômico do direito da direita, cuja racionalidade deveria ser questionável, uma vez que subjuga o humano à propriedade privada da terra, dos recursos, da vida.
Ou seja, na lógica da direita, a concepção de humano está atrelada à concepção de mercado, de gasto, de ascensão e êxito garantidos pelo dinheiro.
Triste constatação em uma sociedade de avanço das forças produtivas que mostra a voraz capacidade do capital utilizar seu direito de posse para reestruturar seus ganhos, enquanto em sua revanche precariza ainda mais o que se caracteriza, na disputa, como direito do trabalho.
Os princípios do direito à direita e do direito à esquerda
O direito da direita é o do capital sobre o trabalho e sua manifestação imediata é a coerção e o consenso realizados pelo Estado para cada um destes grupos com, ou sem, posse sobre suas vidas.
O direito do capital é avesso ao direito do trabalho. Em uma sociedade cuja hegemonia é mantida com bases sólidas no enraizamento de um grupo no Estado, ao longo da história cabe, ao direito da esquerda, reivindicar práticas, políticas, ações sociais, frente à esfera privada, do direito individual.
Dita disputa reivindicativa do direito do trabalho se dá por dois importantes motivos:
1. Pelo discurso ilusionista manifesto pelo capital sobre o trabalho, de uma política includente, frente uma prática excludente. Discurso constitucional e prática penal, próprios de uma sociedade em que o direito se adéqua à lógica privada da igualdade e liberdade sobre o ir e o vir.
2. Pelo número expressivo de sujeitos subjugados pela ordem formal da direita que necessitam, ao tomar consciência de sua força coletiva, lutar pela construção do direito dos trabalhadores, sejam formais ou informais, como direito dos condenados da terra.
Ao lutar no reivindicativo e no revolucionário, o direito da esquerda grita sobre a indignidade manifesta na forma e no conteúdo desse ser projetado pela direita que só vale se tem acumulo material.
O direito à esquerda necessita colocar as coisas no seu devido lugar, ajustar contas com a realidade ilusionista criada pelo direito à direita.
No direito à direita a liberdade, a igualdade e a fraternidade estão relacionadas às classes, à ordem do capital, ao progresso da propriedade, à política econômica em seu vínculo com a economia política do dinheiro.
O dinheiro e o humano: à direita e à esquerda
Dinheiro, fetiche supremo da relação igual entre pares que têm, ou não, como se defender, individualmente, dos mandos e desmandos dos que dominam.
No direito à direita não há espaço para a diversidade, a reciprocidade, a dialogicidade, o encontro solidário entre sujeitos políticos, sociais, convictos de sua história, seu caminhar, seu projetar. Só há espaço para poucos iguais, com liberdade para pagar o ir e o vir, e com opção política definida entre os pares sobre a quem assistir e como assistir com o dinheiro que tem, passando ou não pela tutela do Estado de direito.
No direito à direita a dignidade humana e a relação do humano com a natureza de forma não predatória, nem despossuída de razão, torna-se princípio criativo. Processo de produção de vida em que a mercantilização não é transformada em princípio subjugando humanização.
No direito à esquerda, estes três elementos devem ser redimensionados a partir da consolidação de um núcleo irradiado pelo humano em sua dignidade para além do que tem como riqueza material. Nessa irradiação do humano, a essência comparativa entre os seres nos remete à base solidária da consciência coletiva como reivindicação para si da produção material do trabalho não subsumido, explorado, subjugado.
Roberta Traspadini é economista, educadora popular, e integrante da Consulta Popular-ES
*Para um melhor aprofundamento nas diferenças entre esquerda e direita e quais as bases ideológicas de cada uma delas, é válida a leitura de "O Socialismo e o Homem em Cuba".
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