para a necessidade de se combater o preconceito muito difundido de
que a Filosofia é uma atividade intelectual muito difícil e, por isso,
restrita a uma minoria de inteligência supostamente privilegiada.
Isso porque, para ele, num certo sentido, "todos os homens são
'filósofos' ", pois, de algum modo, todas as pessoas, sem distinção,
independentemente de seu grau de escolaridade, lidam, convivem,
trabalham com a Filosofia e a utiliza no seu dia-a-dia, mesmo que
não se apercebam disso. Afinal, a Filosofia está presente "na
linguagem, no senso comum, no bom senso, na religião", enfim,
"em todo sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ser e
agir" que caracteriza o que convencionalmente se denomina de "folclore"
e do qual todos participam.
A Filosofia está presente na linguagem porque esta não é pura e
simplesmente um amontoado de "palavras gramaticalmente vazias
de conteúdo". Ao contrário, ela é um "conjunto de noções e conceitos
determinados", muitos dos quais derivados da Filosofia, como vimos
nas frases acima. Portanto, a Filosofia está presente na linguagem que
utilizamos, mesmo que não tenhamos consciência disso. Daí por que,
para Gramsci: "Linguagem significa também cultura e filosofia (ainda
que no nível do senso comum)"
O senso comum é o conjunto de valores, crenças, opiniões, preferências,
que constitui a nossa visão de mundo e que orienta nossas ações e escolhas
cotidianas. Em geral é assimilado acriticamente, sem qualquer questionamento.
A exemplo do que acontece com a linguagem, muitos desses valores e crenças
têm origem da Filosofia, mas nós os assimilamos espontâneamente, sem nos
darmos conta de sua origem. Simplesmente pensamos e vivemos de uma
determinada maneira, acreditamos em certo grupo de valores, defendemos
alguma posição política, ideológica ou religiosa, e assim por diante, sem, no entanto,
nos preocuparmos em fundamentar nossas opiniões. Ao contrário, contentamo-nos
com argumentos superficiais, muitas vezes até inconscientes ou contraditórios.
O "bom senso", por sua vez, "é algo que se contrapõe ao senso comum" e, nesse
sentido, "coincide com a filosofia". Enquanto o senso comum é acrítico, espontâneo,
irrefletido, o bom senso implica refletir, tomar consciência de que os acontecimentos
possuem uma dimensão racional, a fim de se obter uma orientação consciente para
a ação, evitando-se deixar levar por "impulsos instintivos e violentos".
Esse "bom senso" é o que Gramsci chamou de "núcleo sadio do senso comum".
Ou seja, mesmo ao nível de senso comum é possível refletir, pensar de maneira
crítica sobre a realidade, tomar consciência dela e agir de modo coerente com essa
consciência. E isso, de certo modo, já é "filosofar", pelo menos um filosofar ao
nível do senso comum. De fato, não é raro vermos pessoas simples, às vezes
com pouca ou nenhuma escolaridade, que revelam um entendimento aguçado
e bem elaborado da realidade em que vivem.
Finalmente a Filosofia está presente na religião porque também na experiência
religiosa nos deparamos com questões e conceitos (Deus, alma, morte, etc.) que
foram e continuam sendo objeto da reflexão e da elaboração dos filósofos.
Por tanto, se a Filosofia está contida na linguagem, no senso comum, no bom
senso e na religião, podemos dizer então que ela está presente em todas as
dimensões da vida humana, sendo, portanto familiar a todas as pessoas. Afinal,
toda atividade humana, mesmo aquelas que são predominantemente práticas
(as diversas formas de trabalho manual, por exemplo), é sempre acompanhada
de um pensar, de um saber, em suma, de um trabalho intelectual, racional,
reflexivo. É nesse sentido que podemos afirmar que "todos os homens são 'filósofos'".
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