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Cidadania percussiva

sexta-feira, 12 de março de 2010

No final da Passagem São Pedro, no bairro da Terra Firme, as sementes não secam sobre o chão empoeirado. O som se propaga pelos ares. Os tocadores vêm de todos os lados. Em um bairro onde tudo aponta para violência e o tráfico, a arte tem um lugar de alternativa.

O grupo musical “Pólo São Pedro – Sementes da Terra” surgiu em 2006 com o objetivo de resgatar a auto-estima de famílias através do som de instrumentos de percussão e canto. Edson Lima assistiu na TV a história de uma faxineira baiana que desenvolvia um projeto de música com 150 crianças e jovens em uma comunidade, sem o apoio de políticos. “Pensei: a realidade é muito parecida. Se eles fazem, nós também podemos fazer”.

Como não sabia tocar nenhum tipo de instrumento, Edson convidou o professor de violão do filho, Mário, para ministrar aulas para as crianças da comunidade. Foram seis meses de elaboração do projeto, mas a sede de transformação social não contava os dias no calendário. Os apoiadores foram se aproximando espontaneamente, desvendando talentos do próprio bairro. “Poderíamos acreditar que todo mundo que está aqui só serve para ser bandido. Não conseguimos. Preferimos acreditar nas pessoas”, diz Edson.

O projeto não conta com instrutores formados em grandes institutos de música. É motivado pela vontade de transmitir dignidade e cultura de paz. São 70 crianças que ensaiam violão, flauta, percussão e canto.

Todos os instrutores e apoiadores são voluntários. Apesar de aprovado como Ponto de Cultura, pelas leis de incentivo à cultura da Secult (Secretaria de Cultura), o projeto continua aguardando a liberação de recursos. Enquanto isso, e se mantém com o apoio da Paróquia de São Domingos de Gusmão, através do padre Bruno Sechi. Além das aulas de música, as crianças e jovens recebem reforço escolar e assistência psicológica, que conta com o envolvimento das famílias.

Fábio Oliveira, 24 anos, é um dos instrutores mais jovens do projeto. Ele orienta as oficinas de percussão e organiza o grupo de música. “Eu era muito explosivo na adolescência. Tinha conflitos familiares, era rebelde. Na paróquia conheci o movimento da catequese. Entendi que tinha uma missão, não sabia direito qual era, mas sabia que ela existia. O convite do Edson veio para mostrar um caminho. Quando vejo uma criança tocando tenho a certeza de que ela será um bom esteio de família”, explica Fábio.

Ele é um dos cerca de 90 mil moradores da Terra Firme. Um bairro que, apesar das estatísticas que o apontam como um dos mais violentos de Belém (PA) é cheio de vitalidade e arte também.

As famílias participam de palestras de motivação com exibição de vídeos e rodas de conversas. “A gente provoca os pais e alunos sobre assuntos que eles não costumam conversar em casa, ou por vergonha ou por acharem que não dominam. O confronto com a realidade aponta para a transformação. É triste ver que o estado não assume seu papel. Enquanto se abrem presídios, não se investe em escolas. Por isso abrimos nossas portas, para que nenhuma das crianças do pólo hoje vá preencher vaga nesses presídios amanhã”, acredita Edson Lima.

A escolha do repertório é construída em parceria com as crianças. Só não são aceitas as letras que depreciam o ser humano ou incentivam a violência. O espaço é tomado por alegria e sorrisos fortes, ritmados ao som de tambores, pandeiros, chocalhos e maracas. Todos podem experimentar qualquer instrumento. A afinidade vem da convivência ou com a força de vontade mesmo. No caso de Stefani, 15 anos, a dificuldade era de se relacionar com as outras pessoas. A tia, Mara Moreira, não levou muito a sério o pedido da sobrinha para frequentar o pólo, há 1 ano. “Ela pouco conversava. Em casa então, começava a ficar difícil se aproximar. Um dia a gente saiu da missa e viu a apresentação das crianças na quadra da igreja. Ela disse que queria cantar. Hoje está no grupo. Até na escola ela melhorou. Ela interage, ri pras pessoas”, relata Mara.

No ano de 2010 o grupo pretende expandir o trabalho para as outras cinco comunidades da Paróquia São Domingos de Gusmão. Novos sons chegarão a outros cantos do bairro. Outros talentos se formarão. O trabalho indispensável faz a diferença, mesmo que o caminho não seja fácil.


Por Geisy Dias à revista Caros Amigos

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