Depois de oito temporadas, a série 24 Horas, produzida e estrelada por Kiefer Sutherland, foi oficialmente “descontinuada” alguns dias atrás. O mundo perde, assim, o maior dos heróis da era Bush: Jack Bauer.
Trata-se de um fato aparentemente menor da indústria cultural, mas que guarda profundo significado político, pelo menos do ponto de vista simbólico.
24 Horas surge após os atentados contra as torres gêmeas, em 11 de Setembro de 2001, e funcionam do ponto de vista imaginário como um suporte às políticas de exceção adotadas pelo governo estadunidense. Ela é significativa por seu discurso e por sua trama, mas, mais que isto, ela conquistou enorme sucesso nacional e internacional por conta de sua forma.
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A ideia de um dia de tensão, dividido em 24 episódios de uma hora cada, exibidos em 24 semanas, resultou, neste seriado, numa forma que se casava excepcionalmente bem com o conteúdo que ela buscava transmitir. A direita extrema, que por muito tempo andara sem discurso, encontrara não apenas o que dizer, mas, o que às vezes é mais importante, um “como dizer” extremamente bem sucedido, até do ponto de vista artístico.
Claro que não foi Bauer que inventou o “clock movie”, o cinema ou a TV em tempo real, mas ele deu um novo sentido a ele.
No dia sem descanso de Jack Bauer, que se prolonga na prática por quase meio ano (sem contar as reexibições), estão contidos os conceitos de exceção e da ameaça permanente. No dia sem descanso de Jack Bauer, o herói premido pelo tempo, o que o “obriga” a agir sem limites. No dia sem descanso de Jack Bauer não há tempo para ir ao banheiro, mas sempre há um machado por perto para cortar a mão de um terrorista que não quer “colaborar”.
Apesar de ser um herói sem limites, um Chuck Norris dos tempos em que Chuck Norris virou uma piada, Jack Bauer é, desde um início, um herói fracassado. O terrorismo de grupos isolados ou de Estados potencialmente perigosos (China, um país africano etc.) é sempre maior do que a sua capacidade de agir, sozinho ou em companhia de seus amigos da unidade de combate ao terrorismo.
A melhor tradução disto não apareceu na série, mas na propaganda de um veículo que Sutherland veio gravar no Brasil. Nela, dentro de um carro, Bauer goza de conforto e silêncio, enquanto as ruas de São Paulo são destruídas sabe-se lá por que ou por quem. Ou seja, o espaço de tranquilidade que sua ação garante é pequeno e provisório. O mundo ameaçador continua lá fora, e Bauer não pode nem ao menos abrir a porta.
A ideia de um heroísmo fracassado, por paradoxal que parece, foi muito útil ao domínio do Estado pela direita extrema estadunidense, embora ela expressasse a impotência da política. Porque uma guerra sem fim exige uma mobilização sem fim e abre as portas para todo o tipo de prática “excepcional”. Lembremos que, quando foi preciso, Bauer torturou o presidente, sinal inequívoco de que a luta ao terror deveria poder passar por cima das instituições.
Outra característica da ação de Bauer é a convivência com governantes que, no campo do imaginário, correspondem aos democratas: presidentes negros e mulheres, que antecederam ou sucederam gestões que tinham uma cara mais “republicana”. O republicanismo radical de Bauer se colocava acima de todos, e todos dependiam dele.
Agora, estamos num mundo que não precisa, pelo menos do ponto de vista simbólico, de Jack Bauer.
Viva a Era Obama!, alguém vai festejar.
Tudo bem, do ponto simbólico, é possível comemorar o fim de Jack Bauer. Mas as guerras reais e prisões ilegais de Bush, no Afeganistão, no Iraque, em Guantánamo e nos aeroportos dos Estados Unidos, continuam aí. Com Obama e Hillary Clinton fazendo o serviço sujo que não acaba com a aposentadoria de Bauer.
PS: O discurso da guerra ao terror de Bush continua a justificar barbarismos ao redor do mundo. Putin correu e anunciou que os ataques desta segunda-feira (29) em Moscou foram realizados por rebeldes chechenos, enquanto um jornal russo escrevia: “Parece que se trata de duas shahidis, mulheres bombas do Cáucaso, que fizeram um pacto de sangue, em que estas porcas “honram” a morte de familiares masculinos com esse tipo de covardia. Porém, há rumores que poderia ter sido perpetrado por elementos hostis ao Islã, para denegrir o seu nome. O mais provável seria a primeira hipótese, pessoas que detestam seres humanos. Terão de ser exterminadas.”
*Por Haroldo Ceravolo Sereza, jornalista e diretor de redação do site Opera Mundi
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