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Traduções Bukowski #7: "eles, todos eles, sabem"

domingo, 7 de outubro de 2012


eles, todos eles, sabem


pergunte aos pintores de calçadas de Paris
pergunte à luz do Sol iluminando um cachorro dormindo
pergunte aos três porquinhos
pergunte ao garoto do jornal
pergunte à música de Donizetti
pergunte ao barbeiro
pergunte ao assassino
pergunto ao homem inclinando-se contra a parede
pergunte ao pregador
pergunte ao marcador de gabinetes
pergunte ao batedor de carteiras ou ao
             penhorista ou ao soprador de vidro
     ou ao vendedor de estrume ou
     ao dentista
pergunte ao revolucionário
pergunte ao homem que enfia a cabeça dentro
     da boca de um leão
pergunte ao homem que vai lançar a próxima
     bomba atômica
pergunte ao homem que pensa que é Cristo
pergunte ao pássaro azul que volta para casa
    à noite
pergunte ao Tom espiando
pergunte ao homem morrendo de câncer
pergunte ao homem que precisa de um banho
pergunte ao homem que só tem uma perna
pergunte ao cego
pergunte ao homem que tem a língua presa
pergunte ao comedor de ópio
pergunte ao cirurgião trêmulo
pergunte às folhas que você pisa
pergunte a um estuprador ou a um
    condutor de bonde ou a um velho
    arrancando ervas daninhas de seu jardim
pergunte a um chupador de sangue
pergunte a um treinador de pulgas
pergunte a um homem que come fogo
pergunte ao homem mais miserável que você puder
    achar no seu momento
    mais miserável
pergunte a um treinador de judô
pergunte a um piloto de elefantes
pergunte a um leproso, a um amante da vida, a um investidor
pergunte a um professor de história
pergunte ao homem que nunca limpa suas 
    unhas
pergunte ao palhaço ou pergunte ao primeiro rosto que você ver
    na luz do dia
pergunte ao seu pai
pergunte ao seu filho e
    ao futuro filho dele
pergunte a mim
pergunte a uma lâmpada queimada em um saco de papel
pergunte ao tentado, ao amaldiçoado, ao tolo
    ao sábio, ao escravizado
pergunte aos construtores de templos
pergunte aos homens que nunca usaram sapatos
pergunte a Jesus
pergunte à lua
pergunte às sombras no armário
pergunte a mariposa, ao monge, ao louco
pergunte ao homem que desenha cartoons para
    O New Yorker
pergunte a um peixe dourado
pergunte a uma samambaia sacudindo  a um sapateado
pergunte ao mapa da India
pergunte a um rosto gentil
pergunte ao homem escondido debaixo de sua cama
pergunte ao homem que você mais odeia neste
    mundo
pergunte ao homem que bebeu com Dylan Thomas
pergunte ao homem que laçou as luvas de Jack Sharkley
pergunte ao homem com uma cara triste tomando café
pergunte ao encanador
pergunte ao homem que sonha com ostras toda
    noite
pergunte ao bilheteiro em um show de aberrações
pergunte ao falsificador
pergunte ao homem dormindo em um beco debaixo de
    um lençol de papel
pergunte aos conquistadores de nações e de planetas
pergunte ao homem que acabou de cortar o dedo fora
pergunte a um marca páginas na bíblia
pergunte à água gotejando de uma torneira enquanto
    o telefone toca
pergunte ao perjúrio
pergunte a tinta azul profunda
pergunte ao saltador de pára-quedas
pergunte ao homem com dor de barriga
pergunte ao olho divino tão elegante e nadando
pergunte ao garoto usando calças apertadas
    na academia cara
pergunte ao homem que escorregou na banheira
pergunte ao homem mordido pelo tubarão
pergunte ao que me vendeu luvas que não
    combinam
pergunte a esses e a todos os outros que eu deixei de fora
pergunte ao fogo ao fogo ao fogo -
pergunte até aos mentirosos
pergunte a quem você quiser na hora que
    você quiser no dia que quiser
    esteja chovendo ou esteja
    nevando ou esteja
    você pisando em uma varanda
    amarelada pelo calor morno
pergunte isso pergunte aquilo
pergunte ao homem com coco de passarinho no cabelo
pergunte ao torturador de animais
pergunte ao homem que viu muitas brigas de touro
    na Espanha
pergunte aos donos de Cadillacs novos
pergunte ao famoso
pergunte ao tímido
pergunte ao albino
    e ao homem de estado
pergunte aos donos de terras e aos jogadores de bilhar
pergunte aos cafonas
pergunte aos assassinos de aluguel
pergunte aos carecas e aos gordos
    e aos altos e aos
    baixinhos
pergunte ao homem de um olho só, ao
    supersexuado e ao subsexuado
pergunte ao homem que lê todos os editoriais
    do jornal
pergunte ao homem que cultiva rosas
pergunte ao homem que quase não sente dor
pergunte ao homem que está morrendo
pergunte aos ceifadores de gramado e aos atendentes
    de jogos de futebol
pergunte a qualquer um desses ou a todos eles
pergunte pergunte pergunte e
    todos eles te dirão:

uma mulher rosnando na balaustrada é mais
do que um homem pode suportar.

(Charles Bukowski)
Traduzido por Felipe Ribeiro

Todo dia ele faz tudo sempre igual.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012


Ele acorda todos os dias, às cinco da manhã, maquinalmente. Sem nem dar conta do que está fazendo, de total costume, ele põe a água para ferver e vai para o quarto de sua filha para acorda-lá. Ele se senta na cama cor de rosa e cutuca, com pena de ter que acorda-lá naquele frio, aquele corpinho enrolado no edredon, pequeno e frágil, sempre tão cheiroso. Ele faz isso num momento complexo de ternura. Ele o faz numa mistura de carinho, cuidado, proteção e puro amor, mas não sem uma certa dor no coração, tão própria de pais solteiros atenciosos que têm seus filhos como a única razão de viver. Ela ficou lá gemendo, protestando e resmungando sem dizer nada de inteligivel. Nisso, ele vai para a cozinha e sem nenhum motivo especifico, apenas por um antigo costume da casa, coloca a toalha na mesa como que querendo ilustrar um café da manhã familiar.

O tempo é curto e a tempos eles estão sozinhos nesse estrangulamento diário que chamam de rotina. Eles precisam colaborar entre si. Ele vai para o banho, enquanto, ainda sem parar de resmungar e ainda sem ter dito uma palavra se quer, ela levanta e vai para a cozinha e encontra, em cima da mesa, pão seco, manteiga a muito tempo fora da geladeira e café com leite frio e mal adoçado. Acabado o desjejum, ela começa a preparar a sua própria lancheirinha. Ela abre o armário, apenas por encenação, pois não há nada ali. Então ela vai para a fruteira e pega uma maça, depois vai para a galadeira e pega um suquinho. Ela os guarda perfeitamente organizados dentro da lancheira de acordo com as suas geometrias. Ela faz isso com uma certo tipo de dedicação, inclinando a cabeça para o lado enquanto o faz, demonstrando satisfação. Esse movimentos graciosos tão simples e verdadeiros compõem uma cena que derreteria o coração de qualquer um e faria lhe saltar lágrimas dos olhos, não pela graça da criança, mas pela composição cinematográfica horrizadora daquele cenário indigente.

Feito tudo isso, ela corre para o quarto vestir seu uniforme para depois se deitar de novo debaixo das cobertas e  aproveitar os últimos minutos antes que o pai a acorde novamente.

Ele termina o banho, se enxagua, veste uma roupa e se arruma na frente do espelho, embora aquilo não lhe tivesse a menor importância. Ele dá uma rápida passada na cozinha, coloca a louça na pia e como que ansioso, vai para o quarto dela. Eles eram totalmente apaixonados, tudo o que um tinha era o outro e nada mais. Mais uma vez, ele a cutuca. Ela finge que não sente, então ele se põe a fazer cócegas em todo o seu corpinho e eles gargalham juntos. Um olhar os faz terminar a brincadeira, enquanto os últimos risos lhe escapam pela boca. Os rostos se transfiguram por uma tristeza que sinaliza que a brincadeira acabou e que eles tinham que seguir em frente com aquele dia torturoso.
                                                                                          ----

Eram dez-pras-seis da manhã. Eles caminham dez minutos até o ponto onde esperariam o ônibus das seis-e-quinze. Às dez-pras-sete eles chegam na escola onde ela estuda. Ele anda com ela de mãos dadas até a porta, carregando sua pequena mochila. Durante todo o percurso ninguem diz uma palavra. Somente algumas vezes acontecia de ela chamar a atenção do pai para mostrar algo pela janela do ônibus. Na porta da escola, ele a beija na bochecha com um beijo bem melado e a abraça com uma força que não é física e que sufoca com pavor. Despedidos, cada um vai para o seu lado. Ela entra na escola com dor na garganta de tanto segurar aquela vontade de  chorar desesperadamente.

Agora, sozinho na rua, ele tem que correr atrás do seu ganha-pão-seco. Todos o encaravam desconfiados: as pessoas, as árvores, as calçadas, os muros, os postes... Acontece que sua vida foi decaindo. As coisas desandaram e então ele teve que se apropriar de meios inusitados para ganhar a vida.

                                                                                         ---- 
Seria possível dizer que, embora as coisas estejam difìceis para ele, ele tem um diploma universitario e ocupa um cargo possivelmente ascendente numa empresa ou algo parecido e que logo tudo se arrumaria. Seria possivel dizer que ele tem um trabalho fixo registrado numa fabrica ou num supermercado. Sem dúvidas. Só não seria possível dizer que ele tem todas as chances de ter tudo isso e que isso só depende de sua boa vontade. Sua competencia lhe foi roubada no Ensino. Todas as suas chances lhe foram arrancadas quando ele foi colocado sozinho no mundo. Sem nada nem ninguém, ele só teve a chance de amar... e o fez. Mas o amor também lhe foi tirado – “por Deus”, como costuma-se ouvir. Depois da morte de sua mulher, que ajudava muito no sustento da casa, só lhe restou sua filha.  E não é nem preciso dizer o quanto ela lhe valhe.

“Oh, pai, meu Pai, afasta de mim esse cálice. Cale-se”. 

Pensamentos como esse ficam em sua cabeça o dia inteiro. Ele vive a vida de um jeito que poucos homens seriam capazes de viver. Um jeito que somente a necessidade mais brutal pode exigir. Ele vive em um problema constante com a Lei. Aponta uma faca aqui, quebra um vidro lá; é uma paranga daqui, um pouco de pó de acolá; fiilho da puta disso, vou matar aquele por causa daquilo. E por aí vai.

É aquela coisa: um homem pode muito bem abrir uma empresa, contratar trabalhadores por um salário que faz deles semi-escravos, vender produtos legais e ficar rico. Não há problema algum. A lei autoriza, a sociedade aprova. A mãe, o pai, o filho, o irmão, o amigo, o padre e o político, todos aplaudem de pé. Um homem de bem, abençoado seja! Não deveis cair em tentações. Agora, quando um tenta tomar de volta o que na verdade tinha que ter para todos, ele se torna um marginal.  Ladrão como qualquer pessoa no mundo, ele é movido pela necessidade gritante que o rosto magro de fome de sua filha gera. A mãe chora, o pai bate, o irmão se mata, o padre condena e o político manda prender.

Foda-se o Armagedon. O Inferno está aqui na Terra. Não há possibilidades de Paraíso quando se está sóbrio.

O dia passou.
Ele pegou sua filha na escola e levou-a para casa.
Colocou alguns restos de comida para esquentar.
Ligou a TV. Eram somente assassinatos, roubos, estupros, corrupções políticas. Desligou-a.
Ele foi para o quarto, abriu uma gaveta, pegou a arma.
Chamou-a.
Ele apareceu na porta do quarto, saltitando de uma perna só. “Olhe, papai” ela ria.
Ele atirou.
Chorou e soluçou.
Colocou o cano da arma na boca.
O sangue escorreu.
Nunca mais sofrimento nem dor.
Nunca mais vida.

Ele nunca foi mau nem nunca agiu mau. Se ele o fosse, então também o seriam todos os outros... ainda pior que ele, por verem maldade somente nele e não em si mesmos.

Sonho de Igualdade

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

"Desculpem mas tive um sonho

Estava num lugar muito estranho
O que mais chamava atenção
O que mais tinha de diferente
Era que não havia comemorações
Como as nossas
Não havia os mesmos feriados

Festas apenas para a natureza
Plantio e colheita
Final e início de ciclo
Dançavam com as estações
Solstícios

Sem dia das mulheres
Sem dia das crianças
Nem mesmo das mãe,dos pais
Dos negros,da independência
Nenhum dia do renascimento
Simplesmente nada desse tipo
Todos os dias eram iguais
Mesmo assim,especiais

Não havia distinções
Por isso não precisavam comemorar nada
Não havia minorias
Não havia desprezados para serem lembrados
Num dia do ano

Sim,havia algumas diferenças
Mínimas,sem muita importância
Apenas o suficiente para tornar cada um único
Apenas para identificas e diferenciar um do outro
Nada que lhes desse valor ou mérito
Para todos os efeitos,todos eram iguais

As diferenças eram só externas
O tamanho, o sexo,a cor,a origem, a idade . .
Só detalhes externos
Internamente todos eram iguais
Todos eram humanos

Desculpem, foi só um sonho ..."


Alexandre Spinelli


Dedicado à Bia
 

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