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César Chávez

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Traduções Bukowski #7: "eles, todos eles, sabem"

domingo, 7 de outubro de 2012


eles, todos eles, sabem


pergunte aos pintores de calçadas de Paris
pergunte à luz do Sol iluminando um cachorro dormindo
pergunte aos três porquinhos
pergunte ao garoto do jornal
pergunte à música de Donizetti
pergunte ao barbeiro
pergunte ao assassino
pergunto ao homem inclinando-se contra a parede
pergunte ao pregador
pergunte ao marcador de gabinetes
pergunte ao batedor de carteiras ou ao
             penhorista ou ao soprador de vidro
     ou ao vendedor de estrume ou
     ao dentista
pergunte ao revolucionário
pergunte ao homem que enfia a cabeça dentro
     da boca de um leão
pergunte ao homem que vai lançar a próxima
     bomba atômica
pergunte ao homem que pensa que é Cristo
pergunte ao pássaro azul que volta para casa
    à noite
pergunte ao Tom espiando
pergunte ao homem morrendo de câncer
pergunte ao homem que precisa de um banho
pergunte ao homem que só tem uma perna
pergunte ao cego
pergunte ao homem que tem a língua presa
pergunte ao comedor de ópio
pergunte ao cirurgião trêmulo
pergunte às folhas que você pisa
pergunte a um estuprador ou a um
    condutor de bonde ou a um velho
    arrancando ervas daninhas de seu jardim
pergunte a um chupador de sangue
pergunte a um treinador de pulgas
pergunte a um homem que come fogo
pergunte ao homem mais miserável que você puder
    achar no seu momento
    mais miserável
pergunte a um treinador de judô
pergunte a um piloto de elefantes
pergunte a um leproso, a um amante da vida, a um investidor
pergunte a um professor de história
pergunte ao homem que nunca limpa suas 
    unhas
pergunte ao palhaço ou pergunte ao primeiro rosto que você ver
    na luz do dia
pergunte ao seu pai
pergunte ao seu filho e
    ao futuro filho dele
pergunte a mim
pergunte a uma lâmpada queimada em um saco de papel
pergunte ao tentado, ao amaldiçoado, ao tolo
    ao sábio, ao escravizado
pergunte aos construtores de templos
pergunte aos homens que nunca usaram sapatos
pergunte a Jesus
pergunte à lua
pergunte às sombras no armário
pergunte a mariposa, ao monge, ao louco
pergunte ao homem que desenha cartoons para
    O New Yorker
pergunte a um peixe dourado
pergunte a uma samambaia sacudindo  a um sapateado
pergunte ao mapa da India
pergunte a um rosto gentil
pergunte ao homem escondido debaixo de sua cama
pergunte ao homem que você mais odeia neste
    mundo
pergunte ao homem que bebeu com Dylan Thomas
pergunte ao homem que laçou as luvas de Jack Sharkley
pergunte ao homem com uma cara triste tomando café
pergunte ao encanador
pergunte ao homem que sonha com ostras toda
    noite
pergunte ao bilheteiro em um show de aberrações
pergunte ao falsificador
pergunte ao homem dormindo em um beco debaixo de
    um lençol de papel
pergunte aos conquistadores de nações e de planetas
pergunte ao homem que acabou de cortar o dedo fora
pergunte a um marca páginas na bíblia
pergunte à água gotejando de uma torneira enquanto
    o telefone toca
pergunte ao perjúrio
pergunte a tinta azul profunda
pergunte ao saltador de pára-quedas
pergunte ao homem com dor de barriga
pergunte ao olho divino tão elegante e nadando
pergunte ao garoto usando calças apertadas
    na academia cara
pergunte ao homem que escorregou na banheira
pergunte ao homem mordido pelo tubarão
pergunte ao que me vendeu luvas que não
    combinam
pergunte a esses e a todos os outros que eu deixei de fora
pergunte ao fogo ao fogo ao fogo -
pergunte até aos mentirosos
pergunte a quem você quiser na hora que
    você quiser no dia que quiser
    esteja chovendo ou esteja
    nevando ou esteja
    você pisando em uma varanda
    amarelada pelo calor morno
pergunte isso pergunte aquilo
pergunte ao homem com coco de passarinho no cabelo
pergunte ao torturador de animais
pergunte ao homem que viu muitas brigas de touro
    na Espanha
pergunte aos donos de Cadillacs novos
pergunte ao famoso
pergunte ao tímido
pergunte ao albino
    e ao homem de estado
pergunte aos donos de terras e aos jogadores de bilhar
pergunte aos cafonas
pergunte aos assassinos de aluguel
pergunte aos carecas e aos gordos
    e aos altos e aos
    baixinhos
pergunte ao homem de um olho só, ao
    supersexuado e ao subsexuado
pergunte ao homem que lê todos os editoriais
    do jornal
pergunte ao homem que cultiva rosas
pergunte ao homem que quase não sente dor
pergunte ao homem que está morrendo
pergunte aos ceifadores de gramado e aos atendentes
    de jogos de futebol
pergunte a qualquer um desses ou a todos eles
pergunte pergunte pergunte e
    todos eles te dirão:

uma mulher rosnando na balaustrada é mais
do que um homem pode suportar.

(Charles Bukowski)
Traduzido por Felipe Ribeiro

Todo dia ele faz tudo sempre igual.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012


Ele acorda todos os dias, às cinco da manhã, maquinalmente. Sem nem dar conta do que está fazendo, de total costume, ele põe a água para ferver e vai para o quarto de sua filha para acorda-lá. Ele se senta na cama cor de rosa e cutuca, com pena de ter que acorda-lá naquele frio, aquele corpinho enrolado no edredon, pequeno e frágil, sempre tão cheiroso. Ele faz isso num momento complexo de ternura. Ele o faz numa mistura de carinho, cuidado, proteção e puro amor, mas não sem uma certa dor no coração, tão própria de pais solteiros atenciosos que têm seus filhos como a única razão de viver. Ela ficou lá gemendo, protestando e resmungando sem dizer nada de inteligivel. Nisso, ele vai para a cozinha e sem nenhum motivo especifico, apenas por um antigo costume da casa, coloca a toalha na mesa como que querendo ilustrar um café da manhã familiar.

O tempo é curto e a tempos eles estão sozinhos nesse estrangulamento diário que chamam de rotina. Eles precisam colaborar entre si. Ele vai para o banho, enquanto, ainda sem parar de resmungar e ainda sem ter dito uma palavra se quer, ela levanta e vai para a cozinha e encontra, em cima da mesa, pão seco, manteiga a muito tempo fora da geladeira e café com leite frio e mal adoçado. Acabado o desjejum, ela começa a preparar a sua própria lancheirinha. Ela abre o armário, apenas por encenação, pois não há nada ali. Então ela vai para a fruteira e pega uma maça, depois vai para a galadeira e pega um suquinho. Ela os guarda perfeitamente organizados dentro da lancheira de acordo com as suas geometrias. Ela faz isso com uma certo tipo de dedicação, inclinando a cabeça para o lado enquanto o faz, demonstrando satisfação. Esse movimentos graciosos tão simples e verdadeiros compõem uma cena que derreteria o coração de qualquer um e faria lhe saltar lágrimas dos olhos, não pela graça da criança, mas pela composição cinematográfica horrizadora daquele cenário indigente.

Feito tudo isso, ela corre para o quarto vestir seu uniforme para depois se deitar de novo debaixo das cobertas e  aproveitar os últimos minutos antes que o pai a acorde novamente.

Ele termina o banho, se enxagua, veste uma roupa e se arruma na frente do espelho, embora aquilo não lhe tivesse a menor importância. Ele dá uma rápida passada na cozinha, coloca a louça na pia e como que ansioso, vai para o quarto dela. Eles eram totalmente apaixonados, tudo o que um tinha era o outro e nada mais. Mais uma vez, ele a cutuca. Ela finge que não sente, então ele se põe a fazer cócegas em todo o seu corpinho e eles gargalham juntos. Um olhar os faz terminar a brincadeira, enquanto os últimos risos lhe escapam pela boca. Os rostos se transfiguram por uma tristeza que sinaliza que a brincadeira acabou e que eles tinham que seguir em frente com aquele dia torturoso.
                                                                                          ----

Eram dez-pras-seis da manhã. Eles caminham dez minutos até o ponto onde esperariam o ônibus das seis-e-quinze. Às dez-pras-sete eles chegam na escola onde ela estuda. Ele anda com ela de mãos dadas até a porta, carregando sua pequena mochila. Durante todo o percurso ninguem diz uma palavra. Somente algumas vezes acontecia de ela chamar a atenção do pai para mostrar algo pela janela do ônibus. Na porta da escola, ele a beija na bochecha com um beijo bem melado e a abraça com uma força que não é física e que sufoca com pavor. Despedidos, cada um vai para o seu lado. Ela entra na escola com dor na garganta de tanto segurar aquela vontade de  chorar desesperadamente.

Agora, sozinho na rua, ele tem que correr atrás do seu ganha-pão-seco. Todos o encaravam desconfiados: as pessoas, as árvores, as calçadas, os muros, os postes... Acontece que sua vida foi decaindo. As coisas desandaram e então ele teve que se apropriar de meios inusitados para ganhar a vida.

                                                                                         ---- 
Seria possível dizer que, embora as coisas estejam difìceis para ele, ele tem um diploma universitario e ocupa um cargo possivelmente ascendente numa empresa ou algo parecido e que logo tudo se arrumaria. Seria possivel dizer que ele tem um trabalho fixo registrado numa fabrica ou num supermercado. Sem dúvidas. Só não seria possível dizer que ele tem todas as chances de ter tudo isso e que isso só depende de sua boa vontade. Sua competencia lhe foi roubada no Ensino. Todas as suas chances lhe foram arrancadas quando ele foi colocado sozinho no mundo. Sem nada nem ninguém, ele só teve a chance de amar... e o fez. Mas o amor também lhe foi tirado – “por Deus”, como costuma-se ouvir. Depois da morte de sua mulher, que ajudava muito no sustento da casa, só lhe restou sua filha.  E não é nem preciso dizer o quanto ela lhe valhe.

“Oh, pai, meu Pai, afasta de mim esse cálice. Cale-se”. 

Pensamentos como esse ficam em sua cabeça o dia inteiro. Ele vive a vida de um jeito que poucos homens seriam capazes de viver. Um jeito que somente a necessidade mais brutal pode exigir. Ele vive em um problema constante com a Lei. Aponta uma faca aqui, quebra um vidro lá; é uma paranga daqui, um pouco de pó de acolá; fiilho da puta disso, vou matar aquele por causa daquilo. E por aí vai.

É aquela coisa: um homem pode muito bem abrir uma empresa, contratar trabalhadores por um salário que faz deles semi-escravos, vender produtos legais e ficar rico. Não há problema algum. A lei autoriza, a sociedade aprova. A mãe, o pai, o filho, o irmão, o amigo, o padre e o político, todos aplaudem de pé. Um homem de bem, abençoado seja! Não deveis cair em tentações. Agora, quando um tenta tomar de volta o que na verdade tinha que ter para todos, ele se torna um marginal.  Ladrão como qualquer pessoa no mundo, ele é movido pela necessidade gritante que o rosto magro de fome de sua filha gera. A mãe chora, o pai bate, o irmão se mata, o padre condena e o político manda prender.

Foda-se o Armagedon. O Inferno está aqui na Terra. Não há possibilidades de Paraíso quando se está sóbrio.

O dia passou.
Ele pegou sua filha na escola e levou-a para casa.
Colocou alguns restos de comida para esquentar.
Ligou a TV. Eram somente assassinatos, roubos, estupros, corrupções políticas. Desligou-a.
Ele foi para o quarto, abriu uma gaveta, pegou a arma.
Chamou-a.
Ele apareceu na porta do quarto, saltitando de uma perna só. “Olhe, papai” ela ria.
Ele atirou.
Chorou e soluçou.
Colocou o cano da arma na boca.
O sangue escorreu.
Nunca mais sofrimento nem dor.
Nunca mais vida.

Ele nunca foi mau nem nunca agiu mau. Se ele o fosse, então também o seriam todos os outros... ainda pior que ele, por verem maldade somente nele e não em si mesmos.

Sonho de Igualdade

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

"Desculpem mas tive um sonho

Estava num lugar muito estranho
O que mais chamava atenção
O que mais tinha de diferente
Era que não havia comemorações
Como as nossas
Não havia os mesmos feriados

Festas apenas para a natureza
Plantio e colheita
Final e início de ciclo
Dançavam com as estações
Solstícios

Sem dia das mulheres
Sem dia das crianças
Nem mesmo das mãe,dos pais
Dos negros,da independência
Nenhum dia do renascimento
Simplesmente nada desse tipo
Todos os dias eram iguais
Mesmo assim,especiais

Não havia distinções
Por isso não precisavam comemorar nada
Não havia minorias
Não havia desprezados para serem lembrados
Num dia do ano

Sim,havia algumas diferenças
Mínimas,sem muita importância
Apenas o suficiente para tornar cada um único
Apenas para identificas e diferenciar um do outro
Nada que lhes desse valor ou mérito
Para todos os efeitos,todos eram iguais

As diferenças eram só externas
O tamanho, o sexo,a cor,a origem, a idade . .
Só detalhes externos
Internamente todos eram iguais
Todos eram humanos

Desculpem, foi só um sonho ..."


Alexandre Spinelli


Dedicado à Bia

Traduções Bukows #5 e 6: "um poema é uma cidade" e "poema de uma noite escura"

sábado, 29 de setembro de 2012


um poema é uma cidade


um poema é uma cidade repleta de ruas e de esgotos
repleta de santos, heróis, mendigos, loucos,
repleta de banalidades e embriaguez,
repleta de chuvas e trovões e períodos de
seca, um poema é uma cidade em guerra,
um poema é uma cidade perguntando porquê a um relógio,
um poema é uma cidade em chamas,
um poema é uma cidade sob armas
é barbearias cheias de bêbados cínicos,
um poema é uma cidade onde Deus cavalga pelado
pelas das ruas como Lady Godiva,
onde cachorros latem a noite, e correm atrás
da bandeira; um poema é uma cidade de poetas,
a maioria deles muito parecidos
e invejosos e amargos...
um poema é essa cidade agora,
a 50 milhas de lugar nenhum,
às 9:09 da manhã,
o gosto de bebida e de cigarros,
sem policia, sem amantes, andando pelas ruas,
esse poema, essa cidade, fechando suas portas,
barricada, quase vazia,
lúgubre sem lágrimas, envelhecendo sem dó,
as montanhas de rochas rígidas,
o oceano como uma chama lavanda,
uma lua destituída de grandiosidade,
uma pequena música de janelas quebradas...

um poema é uma cidade, um poema é uma nação,
um poema é o mundo...

e agora eu grudo isso sob o vidro
para o escrutínio do editor louco,
e a noite está em outro lugar
e senhoras tênues cinzentas ficam em fila,
cachorro segue cachorro ao estuário,
os trompetes trazem forcas
enquanto pequenos homens discursam sobre coisas
que eles não podem fazer.



poema de uma noite escura


eles dizem que
nada é em desperdício.
ou isso
ou tudo o é.


(Charles Bukowski)
Traduzido por Felipe Ribeiro

Da melancolia de duvidar

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Gosto de pensar na vida,
nasci curioso, falante.
Quando criança, esse desejo indiscreto
me fazia indagar das coisas mais simples:
do céu, da existência das estrelas, das asas dos pássaros.

Pensar no mundo traz uma dualidade de emoções -
é estar admirado e estar aflito,
é ser esperançoso e angustiado,
é ter certeza e dúvida.

Gosto de pensar na vida,
cresci interessado, inquieto.
Quando jovem, esse desejo constante
me fazia indagar das coisas rotineiras:
da riqueza e da pobreza, da existência do amor, da lealdade do cachorro.

Dúvidas... duvidar me fez querer fugir,
conhecer o mundo, escapar da realidade.
Em busca de uma resposta que me explicasse
tudo aquilo que eu queria entender.

Gosto de pensar na vida,
sou questionador, inconformado.
Hoje, esse desejo perseverante, importuno
me faz indagar das coisas mais controversas:
da justiça, da existência de deus, do coração do homem.

E cada vez que isso acontece,
eu me sinto melancólico.
Compreendo que questionar o mundo,
além de árduo, não tem volta... não tem fim.





de mim mesmo.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

zum-zum
e o mundo gira, a folha cai, a semente germina,
a doença é contraída, o corpo desfalece,
a alma geme e o dorso também, 
o pau entra, o umbigo ondula,
de quem é essa vida, se não minha e sua?

gotejando na janela a leve garoa
você pede por uma chance e ninguém a concede
você canta do mesmo jeito.

esse arco-íris de emoções --- e não,
não posso dá-lo a você.
o vão da porta da porta está exposto e ali, pelo canto, eu me exprimo.

qual é a cor da caneta que assinou?
estamos todos autorizados a viver assim.
todos sabem:
as árvores chacoalham e a moita esconde a flor a florir
- metáfora da poesia.

a camisa é feita de sete botões
e de botão em botão se faz o peito,
feito o peito se desfaz a roupa.
nu, sujo, pobre
assim se faz o homem.

romântico mas nunca conquistou um amor,
agonia dias a noites,
seios imaginários balançando em sua frente,
a textura de uma vagina faz cócegas em sua boca.

o homem exala o que ele mesmo é.
reza e pede desculpas a Deus
por Ele mesmo ser o seu criador,
imaginando que Ele tenha uma boa desculpa.

a batida, o ritmo....
ninguém entende nada.
e é por isso que se dança,
que se bebe e que se fode!
quem é mais fodido se não próprio?
impróprio é aquele que levanta o braço
para esmurrar a própria cabeça.

permita-me me apresentar.
sou criador do céu e da terra,
pai da puta e do bêbado,
sou o declínio mirabolante
diante de uma prateleira com diversas fragrâncias.
mas não me chame pelo meu nome,
pois este foi me dado pelo meu pai
que traçou a minha mãe.

o rosto está apagado
dentro do saco-envelope de cor nauseante,
a palheta por debaixo, a dedilhar uma melodia incompreensível....

que belo dia!
a chuva, o ônibus lotado e todos nós fedendo.
que perfume melhor a vida tem para nos oferecer?

corre que ainda dá tempo
de eu abrir mais uma garrafa.

que é você? se não um quarto com portas e janelas fechadas?
fotografias penduradas na parede cor de azul....

somos todos virgens por nos recusarmos a fazer amor.

a voz ecoa do outro lado do telefone
do outro lado do mundo
outro mundo --- quem serei eu nele?
eu morro em mim mas sobrevivo no outro.
ainda não tive a sorte de morrer,
mas quanto o tiver, prometo que te conto
tin-tin por tin-tin.

o mundo em sua frente
parece com uma parede toda branca
sem gosto, sem som, sem cheiro....
cheiro de cocaína.

giro para ficar tonto
e me debruço sobre papel e lapiseira:
sou incapaz de tudo
e tudo vomito.
mas não resta tempo,
dou a descarga
e lá se vai aquele rosto envelhecido.

paro e repouso minhas mãos sobre meus joelhos.
quero ser enganado,
pois o que quero é me desapegar
e pegar a criança a cair
e pô-la no colo de sua mãe
e por-me ali também....
quero me hospedar entre as paredes do útero.
o ultimo que fez isso,
já não jaz aqui para nos contar.

e o que há para se contar se não mentiras?
o xixi na calça não passa de suco de laranja.
e do que adianta a verdade?
é um incomodo,
um comodo nesse mundo cru --- cruel

doce mel --- doce coisa nenhuma!
pois a abelha que o fabricou me picou.
arranco o ferrão e da fenda se põe a vazar
tudo o que um dia achei estar tão bem guardado....
é inútil tentar pegar o que cai no chão
porque o chão não é lugar que se alcance.

e pensar na infância? rostos, vozes, amigos....
o tempo é o rastro de você mesmo
e, que eu saiba, só eu existo:
palmas para mim.

fim.

Do sentimento de um eterno efêmero

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


A vida é o eterno duelo entre felicidade e tristeza, ao passo que a vida em plenitude é a convivência harmônica e simultânea de ambos os sentimentos. É quando se entende menos o mundo e mais a si mesmo; é quando cada nova pergunta é respondida por nossa alma, mas simplesmente, não pode ser expressa, nem descrita.


Traduções Bukowski #4: "gato malhado"

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

gato malhado




ele usa calça jeans e tênis
e anda com duas garotas jovens
mais ou menos de sua idade.
de vez em quando ele salta
no ar e 
bate os calcanhares.

ele é como um potro jovem
mas de alguma forma ele também me lembra
um gato malhado.

sua bunda é macia e 
ele não tem mais na sua mente
do que tem uma mosca.

ele pula atrás de suas garotas
batendo os calcanhares.

e ele puxa o cabelo de uma
corre para a outra e
aperta seu pescoço.

ele fodeu as duas e
está satisfeito consigo mesmo.
tudo aconteceu
tão fácil para ele.

e eu penso, ah,
meu pequeno gato malhado
que dias e noites
esperam por você.

sua bunda macia será o fim de seu mundo.
sua agonia
será interminável
e as garotas
que agora são suas
logo pertencerão a outros homens
que não conseguiram seus biscoitos
e cremes tão fácil e
tão cedo.

as garotas estão treinando com você
as garotas estão se preparando para outros homens.
para alguém de fora da selva
para alguém de fora da jaula do leão.

eu sorrio enquanto
eu vejo você andando
batendo os calcanhares.

meu deus, garoto, eu temo por você
na noite
em que você se der conta pela primeira vez.

agora é um dia ensolarado.

pule
enquanto
pode.

(Charles Bukowski)
Traduzido por Felipe Ribeiro



A passagem do tempo: análise da música "Time" (Pink Floyd)


A passagem do tempo



Dark Side of The Moon é uma obra, sem dúvidas, muito bem formada na ideia de album conceitual, além de, claro, ser musicalmente sensacional. Isso quer dizer que além de fornecer ótima qualidade musical – misturas de diversos sons, letras que nos fazem querer decora-las e entende-las e belíssimos solos de guitarras acompanhados pela voz encantadora de David Gilmour, o álbum também explora um vasto terreno de conceitos, não só através de suas letras, mas também por essa já citada mistura de sons (como se percebe em Speak to Me, On the Run, Great Gig in The sky).

Só para ter uma idéia, aparece muitas vezes no album, o som de uma batida de coração, que pode representar a vida nos seus pontos mais vitais e a necessidade de viver uma vida própria como se vê em Speak to Me/Breathe, ou a questão da passagem do tempo como vemos em Time, ou a crítica às várias controvérsias sobre o dinheiro, não criticando apenas o consumismo, mas também criticando a própria crítica ao dinheiro, como vemos em Money, quando a letra diz: “Money, it’s a crime, share it farely but don’t take a slice of my pie” ou “Money, so they say, is the root of all evil today, but if you ask for a rise it’s no surprise that they are giving none away”. Não vou tentar expor minuciosamente os conceitos explorados por essa obra, pois acho muito importante que cada um tenha suas próprias imagens e ideias ao escutar  uma música, além de que o número de conceitos presentes no Dark Side of The Moon é tão grande quanto for a nossa capacidade de interpretar. Ademais, este álbum seria apenas o primeiro de outros álbuns conceituais do Pink Floyd, como seriam o Wish You Were Here, Animals e o The Wall. 

Vou apenas mostrar aqui uma interpretação de uma das músicas presentes no Dark Side.

Time

Ano após ano, é muito comum ouvirmos – e até mesmo pensarmos, coisas como: “nossa! como esse ano passou rápido” ou “cada ano que passa parece ficar mais curto”, já até chegaram a me dizer “depois dos 18, os seus anos vão voar”. Acredito que todo mundo já tenha escutado algo parecido.

De fato, quanto mais envelhecemos, mais nos parece que os anos se aceleram, que o tempo se contraí, acabamos ficando sem tempo para nós mesmo ou para simplesmente "ver o tempo passar". Essa idéia de um tempo contraído, que aumenta quanto mais o tempo passa, é realmente muito presente na contemporaneidade, principalmente nas grandes cidades, onde tudo é extremamente rotineiro e apressado. Mais ainda: cresce também aquela vontade frustrante de recuperar o tempo perdido. Acima de tudo isso, o tédio vigora. Tudo que é bom parece se tornar menos durável e, como todo o resto, vira passageiro. Sempre estamos invejando algum tempo mais jovem. Somos sufocados pela falta de tempo e quando temos uma folguinha, não sabemos aproveitar e o tempo se torna maçante.

Parênteses. Com os avanços tecnologicos mais recentes, que proporcionam a criação de diversos aparelhos portáveis, essa sensação de que temos pouco tempo para nós mesmo só aumenta. Agora é possível ouvir música enquanto anda na rua, ver TV e ter uma biblioteca na palma da sua mão enquanto se está no metro, por exemplo. Não acho isso extremamente ruim, mas o ponto vital de pelo menos tentar apreciar completamente uma música, uma obra literária, ou um filme, é estar no conforto de um lar, num teatro, numa biblioteca, num cinema ou em outro lugar apropriado, com tempo para pensar, num momento relaxante e prazeroso, sem ter que estar preocupado em olhar para os dois lados da rua antes de atravessar, ou em enfretar a lotação dos trens e metros. Quero dizer que nessa vida rotineira, o lar (e esses ambientes culturais, por assim dizer) passa a ter um valor reduzido e pouco confortavel, ele também cai na temporalidade contraída. Deixo aqui uma possível interpretação da reprise de Breathe, no final da música Time, quando a letra diz: “Home, home again. I like to be here, when I can. When I come home, cold and tired, it’s good to warm my bones beside the fire”. Isto é, já vivendo numa rotina que contrai nosso tempo (em que tudo é muito estressante e, acima de tudo, tedioso) se levarmos nossas atividades recreativas (que deveriam ser exercidas no conforto relaxante de um ambiente apropriado, com tempo para refletir, que nada mais é do que o clichê de termos mais tempo para nós mesmo) para a nossa rotina, onde o tempo é contraído, os valores podem se perder: nossas casas se tornam um lugar de passagem, como é o trem, o metro, o onibus, o refeitorio da faculdade ou do trabalho e nos tornamos pouco capazes de compreender ou até mesmo criar arte. A arte, enquanto como eu a vejo, está na contramão dessa sua submissão ao cotidiano.

Ok. Voltando a primeira ideia, aquela de como o tempo parece passar mais rápido a cada ano que envelhecemos. E vamos aqui olhar para a música Time. A minha interpretação dessa música diz exatamente respeito à essa sensação que temos de que o tempo se contrai quanto mais os anos passam. Não vou falar da música inteira, somente do começo da música, a parte antes de entrar os vocais, onde ficam apenas umas 2-3 notas tocando com um rázoavel espaço de tempo entre elas. 

Reparem: no começo, as duas primeiras notas soam mais tranquilas; entre elas, prevalece o silêncio, que podemos chamar de ‘tempo livre’ (percebam as analogias). Enquanto as notas vão passando (isto é, enquanto os anos se passam), resta cada vez menos desse silencio entre as notas, menos desse ‘tempo livre’, a percussão vai ficando cada vez mais presente, mais acelerada, mais intensa, até que chega a um ponto que a percussão preenche todo o ‘tempo livre’ entre uma nota e outra. Além disso, a maneira calma e estavel como cada nota se intercala não parece ser compátivel com a crescente velocidade e intensidade da percussão, cria-se um momente pertubador, cansativo, assim como o é o nosso dia-a-dia. Surge a sensação de que o tempo entre cada nota está se contraindo, quando na verdade, ele permanece o mesmo. 

Pois era de tudo isso que estavamos falando agora: a sensação presente de como cada ano parece passar mais rápido, quantos mais anos se passam e de como temos pouco tempo livre, embora todos os anos durem os mesmos 365 dias (exceto alguns que duram 366 hehe). A ideia aqui é tentar mostrar como a música em sua composição é capaz de despertar diversas das nossas sensações, sejam ela presentes ou passadas. Além disso entra aqui a questão de que a música deveria servir para nos ensinar a passar o tempo. Temos então uma música que, enquanto na sua ideia geral de música (não especificamente essa música), serve para nos ensinar a passar o tempo, enquanto essa música na sua especifidade (Time do Pink Floyd) mostra como não sabemos ver o tempo passar, o tempo se contraí, não percebemos e quando o fazemos é tarde demais e ficamos tentando correr atrás do Sol que está afundando e dando a volta para vir por trás de nós novamente.

O tempo passa e com isso, somos tomados por obrigações frustantes e fatigantes, geralmente que ainda servem para suprir um interesse alheio a nós mesmos. O tempo se perde, por não pertencer a nós mesmos, e ainda se contrai devido a essas ocupações toscas. Ficamos atordoados e quando o tempo cai em nossa posse, mal sabemos o que  fazer o que ele. A passagem da vida, temporalmente, é oprimida por esse tempo contraído do contemporâneo.

Vou terminar por aqui, só deixando aberto, mostrando como é possível interpretar até coisas que nunca damos muita importância numa música. Só mais uma coisa: nesse sentido, a música é perfeita para nos ensinar a passar o tempo. Curtam aí, Time do Pink Floyd.

Traduções Bukowski #3: "o cadarço"

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

o cadarço


uma mulher, um
pneu furado, uma
doença, um
desejo; medos na sua frente,
medos que se seguram tão firme
que você pode estuda-los
como peças em um
tabuleiro de xadrez...
não são as coisas grandes que
mandam um homem para o
hospicio. para a morte ele está preparado, ou
assassinato, incesto, roubo, incendio, inundação...
não, é a série contínua de pequenas tragédias
que mandam um homem para o
hospicio...
não a morte de seu amor
mas um cadarço que se arrebenta
sem tempo de sobra...
o pavor da vida
é essa multidão de trivialidades
que podem matar mais rápido do que cancer
e que sempre estão presentes –
emplacamentos ou impostos
ou uma carteira de motorista vencida,
ou contração ou demissão,
fazendo-os ou tendo-os feito a você, ou
constipação
multas de transito
formigas ou grilos ou ratos ou cupins ou
baratas ou moscas ou um
gancho quebrado em uma
rede, ou sem gasolina
ou com gasolina demais,
a pia entupiu, o senhorio está bebado,
o presidente não se importa e o governador está
louco.
interruptor quebrado, colchão como um
porco-espinho;
$105 por um ajuste, carburador e bomba de combustível na
Sears Roebuck;
e a conta de telefone subiu e o mercado
caiu
e a corrente da descarga está
quebrada,
e a luz está queimada –
a luz do salão, a luz da frente, a luz de trás,
a luz interior; está
mais escuro do que o inferno
e duas vezes mais
caro.
então há sempre chatos e unhas encravadas
e pessoas que insistem que são
seus amigos;
há sempre tudo isso e pior;
torneira vazando, Cristo e o Natal;
salame estragado, 9 dias de chuva,
abacates de 50 centavos
e língua de figado
roxeada.

ou fazendo-o
como uma garçonete do Norm’s na troca de turnos,
ou como um esvaziador de
penicos,
ou como um lava-rápidos ou um assistente de garçons
ou um ladrão de bolsas de velhinas
deixando-as gritando nas calçadas
com braços quebrados aos 80
anos de idade.

subitamente
2 luzes vermelhas no seu retrovisor
e sangue na sua
cueca;
dor de dente, e $979 por um canal
$300 por um dente de
ouro,
e a China a Rússia e a América, e
cabelo longo e cabelo curto e 
cabelo nenhum, e barbas e sem
rostos, e um monte de zigzag mas sem sucesso
nenhum, exceto talvez por um cara mijando e 
o outro em volta das suas
tripas.

com cada cadarço arrebentado
de cem cadarços arrebentados,
um homem, uma mulher, uma
coisa
entra num
hospicio.

então cuidado
quando você
se curvar.

(Charles Bukowski)
Traduzido por Felipe Ribeiro

o grito de Janis Joplin.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

aquele grito não é
só voz.
tem algo ali para além
de tudo e de todos
nós.

não é só um grito
que sai de sua garganta.
sua força não vem apenas
de suas cordas vocais.

ela precisa chutar alguma
coisa para fora de seu corpo.
existe alguma coisa
urgindo desesperadamente
para sair de dentro dela.

aquele grito é capaz
de expulsar um demonio.
o maldito nunca mais
vai voltar.

um grito desesperado
lutando para nascer
lutando para permanecer 
vivo.

com pressa
para dizer o que tem que ser dito.

há algo para além
de nossa existência
naquele
grito.

para além de nossa
compreensão.

a última refeição de 
um condenado
à pena de morte.

a urgência de
estar vivo.

não nos resta tempo.
ele toma conta de você,
corpo e alma,
completamente.

percorre sua espinha
como uma erupção
saindo pela boca.
um urro, um
uivo.
uma necessidade de
declarar...
a vida!

aquele grito te faz
despertar.
ele te ergue e te 
faz rodopiar 
por toda a eternidade.

é como se ela te
pegasse pelos braços
te levantasse para o alto,
cada vez mais alto
e mais alto.
você suspenso no céu
suas pernas balançando.
e então ela te devolve à Terra
com um chute .
te traz de volta de uma vez só
sem misericórdia
põe o chão embaixo de seus pés

o sonho mais incrível que você já teve.

eu vivo por esses
dez segundos.

não há motivos para chorar.
ela diz:
"o único motivo que tenho para você chorar
é esse:"
e então ela grita
e preenche a sala inteira
com todas as vidas vazias presentes.
"então chore, baby
chore porque você está 
vivo.
entre nisso.
mergulhe de cabeça
e traga o resto de você
junto."

você entende tudo.
espalhado por todo mundo
por todo o tempo.
você é passado, presente
e futuro.

você grita junto
com ela.
você tem certeza de que está lá
dividindo o palco
com Janis Joplin.

ela grita
grita
e nunca acaba

e esse grito

esses dez segundos

me fazem chorar,

baby


 

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