Berna (Suiça) – Domingo 7 de março de 2010 tem tudo para se transformar em data histórica suíça, por ter sido o dia do Não. Imaginem um povo pacato, tranquilo (um pouco em excesso), capaz de suportar todos os abusos e perguntar, humildemente, se tem mais.
Mas eis que, de repente, cansados de ser carneiros e de tanto balido, os suíços deram um berro que ainda está ecoando aqui pelas montanhas.
Mas qual foi a gota d´água que poderá transformar tantos carneiros bons para a tosquia em exemplos para a Europa ? Ora, os banqueiros, os seguradores, os políticos, obrigados a cortar em algum lugar, exigência da crise, decidiram cortar num lugar que não iria atrapalhar nenhuma empresa, nenhum trader, nenhum empresário – decidiram cortar na aposentadoria dos suíços.
Afinal – pensaram os donos dos bancos e das seguradoras e seus fiéis vassalos, e a quase totalidade dos políticos (tem exceção, vem a seguir) – se é para cortar vamos cortar nesse rebanho de carneiros que nunca estrila. Sempre tiveram salários melhores que os outros europeus, nunca entraram nessas histórias de greve, sempre votaram mais para a direita, mesmo se Lenin e Bakunin com eles convivessem, chegou a hora de dar uma apertada no cinto do futuro e assim poderemos amortizar os efeitos da crise nos nossos cofres e nos nossos bolsos.
Os suíços têm dois tipos de aposentadoria. Uma de base calculada segundo seus salários e recolhimentos durante a vida ativa, é praticamente o mesmo esquema brasileiro. Porém, existe outra aposentadoria obrigatória chamada de « segundo pilar », para a qual contribuem também o empregado e o empregador, ficando a gestão do capital gerado com a própria empresa ou com grandes seguradoras.
Ao chegar aos 65 anos, o aposentado tem direito a duas rendas, o que lhe garante em geral uma velhice digna. Entretanto, ocorre que muito do dinheiro do segundo pilar foi queimado nas loucuras dos investimentos rendosos, que acabaram estourando como balão de ar. E muitas seguradoras ao assumirem o encargo de administrar os fundos de pensões de pequenas e médias empresas cobram honorários excessivos.
Mas como a Suíça era um país rico, como vaca de úberes enormes jorrando leite adocicado dos Alpes, todo mundo queria mamar. Porém, o fluxo da riqueza mudou de direção, graças à incapacidade dos gerentes suíços de tanta riqueza. Em lugar dos pipeline levarem para Zurique, Genebra ou Lugano a evasão fiscal dos países vizinhos, as comissões em concorrências públicas e os roubos de ditadores e governantes corruptos, agora a riqueza acumulada durante tantos anos na Suíça está descendo os Alpes para se esconder em outros lugares.
Acabou aquela confiança cega nos banqueiros suíços, depois do banco UBS ter entregue ao fisco americano os nomes dos milionários, que seus gerentes tinham ensinado a fraudar o tesouro americano. Acabou também a confiança no segredo suíço, depois de informáticos terem vendido CDs com nomes de milhares de clientes para o fisco alemão e francês.
Como chegou a hora do sacrifício, matem-se os carneiros imaginaram os donos do país que colonizam sua Câmara, seu Senado, distribuindo – sem que a Globo fale nisso – polpudos mensalões legais aos deputados e senadores.
Os suíços tinham fama de votarem ao contrário dos franceses e mesmo dos nossos espertos eleitores – bastava os seus mestres mandarem que eles votavam. Assim, votaram pelo aumento da idade da aposentadoria das mulheres, em nome da igualdade de sexos; votaram a favor de uma taxa de 10 centavos no preço do combustível, isso há mais de dez anos, antes de Al Gore, em nome da ecologia; votaram contra a diminuição das horas de trabalho, contra a preguiça e a vagabundagem; votaram contra o seguro-doença (que é de iniciativa privada) calculado sobre o salário, permitindo que um milionário pague o mesmo que um assalariado, sem se contar a espiral crescente dos preços desses seguros. E daí para a frente, sempre a favor dos seus patroões, dos seus bancos, das seguradoras, dos políticos e nunca em seu próprio favor.
Mas, neste domingo, caiu a gota que transbordou. E o povo disse Não à uma redução gradativa no cálculo de seus recolhimentos para o segundo pilar da aposentadoria. Só os socialistas com os verdes de esquerda foram contra a anunciada espoliação, pintada como esforço nacional para reequilibrar as finanças.
E o resultado foi de estarrecer – 73% dos suíços disseram Não, e o que é raro, em todos os 26 cantões. União nacional contra a tentativa de se enfiar a mão no bolso do povo. O governo suíço foi fragorosamente derrotado, seus banqueiros e seus donos da política tomaram uma solene bofetada, que poderá servir para toda a Europa e mesmo para os EUA, onde Obama cedeu aos financistas e ao grande capital na hora de enfrentar a crise.
E a vai sobrar também lição desse voto do povo suíço para tantos que pregam a desestatização e se mobilizam mesmo, em nome da liberdade de dizerem só o que lhes interessa, nesse movimento Millenium com cheiro de Opus Dei e reacionarismo golpista da época da Marcha pela Família.
Por Rui Martins ao Direto da Redação
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