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Reflexões sociais (algumas).

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010



São quase duas horas da madrugada de um dia assim. Hoje tive tempo de pensar. Parar a correria do dia a dia capitalista desenvolvimentista que quer mais e mais e sempre mais. Consegui finalmente trocar este sufoco por aquele tempinho preguiçoso de ficar pensando nas coisas, nas pessoas, nas idéias, en tout le monde. Imergi dentro de mim mesmo enquanto os carros passavam ao lado: o trânsito. Sempre achei que o trânsito era a resposta pra alguma questão filosófica bastante importante e outro dia descobri qual era essa resposta. O trânsito prova que o reducionismo e o atomismo não são idéias idiotas e que o universo pode mesmo ser composto de pequenos tijolinhos que vão daqui à ali com determinadas regras mais ou menos precisas, à la Laplace. Ele mostra que pessoas-tijolos são capazes de criar os padrões complexos observados nas ruas das grandes metrópoles. É cada um de nós que faz o trânsito e, ao mesmo tempo, ele é altamente complexo e não pode ser previsto com boa precisão. Complexidade gerada atomisticamente. Depois precisarei pensar melhor sobre isso, talvez nem seja uma idéia assim tão boa. Mas desviemos deste assunto, agora ainda estou no carro, imerso em mim mesmo e no mundo. Se soubessem quão longe estou dos outros carros e motos e sinais e regras, não me deixariam dirigir. Pior ainda se soubessem o que estou pensando, aí me colocariam certamente numa prisão e de lá não me tirariam. Talvez me levassem para o hospício. Uma pequena probabilidade haveria ainda de que me tornassem deles, o líder, dar-me-iam a chance de pregar por uma verdadeira igualdade social, de buscar o melhor em tudo e em todos, maximizar os prazeres individuais mantendo a igualdade e a felicidade. Sou iluminista mesmo, anote aí. A partir de agora todos só devem trabalhar com o que gostam! Seria esta, minha primeira regra. Vejo hoje jovens que mal começam trabalhar e já pensam em se aposentar. Uma pena. Ficarão anos acordando e dormindo e pensando no dia em que não terão que mais que trabalhar. Quando chegarem lá, então, não saberão o que fazer. Morrerão, então, em vida; amargurados. Melhor curtir o que se faz e acordar sempre com a alegria e a expectativa de um novo dia de trabalho. Que tal fazer um mundo onde o Dr Pangloss estivesse realmente correto, ao menos nos quesitos sociais. Seria possível? Será possível? Quereriam as pessoas igualdade? Quereriam igualdade e liberdade, as pessoas? E fraternidade? Ou quereriam, querem e quererão ser para sempre vigiadas e que sejam também todos os outros vigiados segundo regras estritas para que a sociedade possa se manter em uma homeostase controlada? Huxley já havia nos avisado. Sombras cruéis de um admirável mundo novo ainda pairam por nossas cabeças. Quererão deixar de explorar os mais fracos, os mais fortes? Quererão viver todos em paz? Quererão viver o sonho de Lennon?


Ah, o mundo ideal. Eu também sou um sonhador. Quão longe não estamos dele. Estará ele a se afastar ou a se aproximar? Parece que as duas coisas ao mesmo tempo. O mundo melhora em certos aspectos e piora em outros. Melhor e pior, de qualquer forma, dependem do gosto do observador e porquê seriam minhas morais melhores do que as morais de outros, mesmo dos mais perversos ditadores? Por que o filósofo está mais certo que aquele que toma as atitudes que julga corretas, com perseverança? O filósofo está mais certo (talvez) porque se questiona, porque se pergunta sobre suas crenças e porque (pelo menos) tenta não aceitar dogmas. Avalia segundo a potente arma argumentativa que é a razão, os prós e contras de suas reflexões em contexto específicos e amplos. Tenta pensar em tudo. Tenta considerar todos os aspectos e, assim, toma atitudes refletidas e auto-questionadas. Não fará também isso, o ditador?, o religioso? Em um certo nível sim; não, certamente, noutro. Há líderes e líderes, entretanto. Há filósofos e filósofos, morais e morais. Tudo vale, tudo é único, belo e interessante se feito pelo ser humano. É preciso saber apreciar a beleza das atitudes dos homens. E também é preciso saber depreciá-las. O ser humano é responsável pelo que há de mais lindo e, também, pelo que há de mais horroroso neste imenso universo, neste purgatório da beleza e do caos. A moral novamente entra em campo. Deve nossa moral social seguir nossos instintos biológicos? Deve fugir deles? Deve o quê, afinal? Terá algo a ver o socialismo com nossa natureza competitiva de máquinas de sobrevivência que querem apenas passar nossos genes à frente, Mr. Dawkins? Qual é o ponto, afinal? Organismos biológicos têm uma maior tendência à competição ou à simbiose? Mesma espécie, mesmo nicho, recursos limitados, pessimismo.


Otimismo e pessimismo. O pessimista acha ruim o otimismo enquanto o otimista poderia dizer que o pessimismo tem seu lado bom. Não fiquemos muito para lá ou para cá nesses pontos relacionados ao futuro e às coisas que jamais saberemos. Para o que sabemos agora, entretanto, devemos lutar. Igualdade social, por exemplo. Chega-se na Europa e não há problema social. Por que?, pergunta-se o leigo. Porque não há grandes diferenças sociais e o sujeito que é o mais pobre da sociedade tem uma grana suficiente para viver uma vidinha mais ou menos e ter acesso à educação e à saúde. Quem precisa de mais? Comida, educação e saúde. Se todos têm isso, os problemas sociais praticamente desaparecem. A violência quase se extingue. Quem rouba no primeiro mundo não são os necessitados, porém os loucos. Ali a prisão quase não precisa existir, apenas o hospício. Mas no Brasil, a enorme corja quer é colocar as mãos na grana. Esse povo do dinheiro ainda vai acabar com o mundo. Aparecem na televisão dizendo que se os EUA foram ao Iraque atrás de petróleo, devemos também nós explorar nossos vizinhos para roubar deles seus recursos. Dizem isso como se fosse virtuoso, em TV aberta, para todos escutarem. E há os que concordam, isso é o pior. Discordo até mesmo daqueles que pensam que o maior problema do Brasil vem de fora, dos americanos e europeus que até hoje nos exploram. Certamente boa parte do nosso problema vem mesmo de lá e há um fator forte histórico associado à inércia da exploração que eles nos exerceram por centenas de anos. Mas disso a aceleração exploratório vem diminuindo bastante e creio que nosso maior problema é interno e está no bolso dos genocidas sociais que embolsam, em contas suiças, o dinheiro que é de todos os brasileiros. Enquanto isso, a garota da chaminé pergunta se deve jogar a guimba na rua. Claro que não é na rua! Onde está o zelo do brasileiro pelo patrimônio público? Ai de ti, meu Brasil brasileiro. Vergonhoso é fazer um panamericano que custa oito panamericanos e a mídia abafar a informação. Para onde foi todo o dinheiro? E as euforias crescem para a copa de 2014 -- "há muito o que ganhar", deve estar pensando o povo do dinheiro.


Viro à esquina e eis que me dou à porta da casa de meus pais. Era o destino. Stop thinking. Hora de voltar à realidade, de reacordar, conversar coisas comuns levemente temperadas com todas essas filosofias sociais. Macarrão, purê, carne, coca-cola. Nada demais, tudo tranqüilo. Bebamos e comamos, forrageemos pois que somos bichos e que, de tanto pensar, podemos acabar desistindo desta aventura. Mas desistir parece sempre uma opção covarde, fraqueza de espírito. Desistir só não é pior do que se entregar ao sistema corrupto. Desistir é ser digno, num certo ponto. Melhor ainda, entretanto, é tentar, arregaçar as mangas, olhar a cara do adversário e fazer de tudo para conseguir o knock-out. Estamos longe, mas continuemos treinando e tentando. Um dia, quem sabe, venceremos a luta. Filósofos e intelectuais do meu Brasil, uni-vos! É a partir de nós que as mudanças devem acontecer, pois que eles... perdoai-vos, eles não sabem o que fazem.



Fonte: ChicoPros

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