José Luiz Ames
A idéia que fazemos de democracia é bem diferente do que aquilo que se entendia por ela nas suas origens gregas. Na atualidade, entendemos por democracia uma forma de governo na qual o povo escolhe periodicamente seus dirigentes e representantes e na qual todos são livres para pensar e agir segundo seu arbítrio.
Para Aristóteles o termo tem uma significação bem diferente. Democracia é o regime da soberania popular. Quer dizer, é uma forma de governo na qual os cidadãos exercem pessoalmente o poder legislativo e judiciário. Aristóteles era do entendimento de que nestas questões era imprescindível a multiplicidade dos pontos de vista, pois o objeto sobre o qual se delibera em política não é algo que possa ser conhecido de modo absolutamente seguro. Somente é possível ter uma “opinião”, isto é, um ponto de vista. A Assembléia do povo, uma vez que é constituída por um mosaico de opiniões contraditórias, é o espaço mais adequado à deliberação, uma vez que supõe a palavra pública e a contradição. Conseqüentemente, as deliberações e julgamentos coletivos são mais completos, pois focalizam as coisas de um maior número de pontos de vista.
Em relação a esta compreensão, Aristóteles refutou uma objeção que freqüentemente ouvimos até hoje. Poderíamos chamá-la de “tecnocrática”: a posição daqueles que defendem que legislar e julgar devem ser tarefas para peritos, de especialistas na área. Deixar que qualquer cidadão se ocupasse destas tarefas seria a mesma coisa do que permitir que um leigo tratasse da doença em vez do médico. Aristóteles rebate o argumento dizendo que a política não é uma arte como a medicina, onde deve reinar a competência. Antes, é uma arte como a arquitetura ou a culinária, nas quais prevalece o ponto de vista do usuário: ele é quem decide se a casa é confortável ou a comida é saborosa.
A análise de Aristóteles mostra claramente que a democracia atual expropriou o povo dos seus direitos políticos. “Fazer política” se tornou em nossos dias uma tarefa para especialistas, os “políticos”, que fazem isso “profissionalmente” a ponto de até poderem receber uma “aposentadoria” vitalícia ao termo de um certo número de mandatos! A queixa que ouvimos freqüentemente, de que as pessoas não se interessam por política, deve ser vista como uma conseqüência desse processo histórico de exclusão do povo do espaço da decisão pública. É uma afronta cobrar participação sem conferir a mínima importância à decisão das pessoas. Só há “participação” quando aquele que participa tem o poder de mudar as coisas. Fora disso é puro envolvimento: populismo barato para legitimar as decisões dos “políticos profissionais”.
A lição que Aristóteles nos oferece mostra que uma forma de governo na qual as pessoas limitam sua atividade política à escolha daqueles que tomarão as decisões em nome da coletividade só pode ser um arremedo de democracia. Não opinar, não se envolver, deixar que uma elite de pretensos especialistas (os “políticos”) decidam tudo por nós é contribuir para que prevaleçam os interesses mesquinhos e particularistas na política. Segundo a bela comparação de Aristóteles, na política como na arquitetura cabe aos usuários dizer se gostam ou não daquilo que é oferecido. Na eleição, julgamos nossos representantes. Podemos mais: decidir quem é digno destes postos. Sobretudo, deveríamos fazer como os gregos: discutir publicamente, deliberar e decidir coletivamente nosso destino, destituindo de seus postos aqueles que se mostram indignos no exercício de seus cargos.
*José Luiz Ames é doutor em Filosofia e professor da UNIOESTE/Campus de Toledo.
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