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O pão e circo de cada dia

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Por Paulo Pastor, 10.02.2010

Será, que vivemos em um repetição da política que ocorria no tempo dos Césares?

Um pouco de história: A política do pão e circo foi a forma encontrada pelo Estado Romano para controlar as massas que, mesmo em face à miséria e exploração que viviam, não se revoltavam devido à distração proporcionada pelo pão barato e os jogos, como os de gladiadores, que o Império oferecia. O aprendizado: as massas podem ser controladas, independente do grau de penúria em que se viva, basta oferecer algo que ocupe as mentes delas e afaste o pensamento dos reais e graves problemas que as afligem diretamente.

Li alguns artigos comentando que a cobertura jornalística e atenção do público para a tragédia sobre o Haiti acabaria perdendo espaço para outros assuntos, digamos, com um grau de importância relativamente menor. Alguns exemplificam apontado o Big Brother Brasil como um dos prováveis novos assuntos pautados e abordados pela grande mídia.

Nas páginas dos principais provedores, as chamadas de matérias e fotos referentes ao país mais pobre da América Latina já perdem lugar para o rosto dos “brothers” que estão no paredão ou a última briga da casa. Em um dos textos, havia um comentário de um leitor lembrando da política do pão e circo – por isso a introdução – para explicar esses fenômenos de alteração de foco, os quais acontecem por aqui com uma incômoda frequência. Será, que vivemos em um repetição da política que ocorria no tempo dos Césares?

As diferenças com o passado

Assim como em Roma, existe uma grande massa a ser controlada e boa parte dos meios de comunicação funciona, na sua essência, da mesma forma que o palco da luta dos gladiadores. Mas, será que naquela época havia tantas pessoas que, conscientemente, queriam o “pão e o circo” para ignorarem ou substituirem os problemas a sua volta, para lidar melhor com a realidade?

Se antes os imperadores romanos precisavam conquistar outras terras e fazer diversos acordos para manter a alta produção e o baixo preço do trigo, hoje é boa parte da população que escolhe entretenimentos que ignoram ou tratam a realidade com superficialidade. É verdade, que parte considerável da população não consegue ver a estrutura usada para controlar a sociedade. Pode-se acusar a falta de formação, porém não foram só as pessoas com pouca educação formal e crítica que transformaram Avatar no filme mais visto da história.

Mesmo os que percebem o quão pouco o BBB acrescenta no seu cotidiano, perdem algumas horas do seu dia vendo algum ‘acontecimento importante’ da casa. As novelas com as praias do Leblon e com carros luxuosos são a última preocupação, antes de ir para a cama,da maioria das famílias brasileiras. Por que isso acontece? Por que um desastre que mata mais de 100 mil pessoas só merece atenção da mídia televisa durante duas semanas e os realities shows conseguem repetidas edições que duram dois ou três meses?

Vivemos em uma sociedade que ensina valores como a conquista sobre os outros, a vitória do mais forte, o individualismo, a ostentação, a alegria fácil e rápida, tudo é uma mercadoria que pode ser comprada com meu esforço. Passar muito tempo voltado para questões como a vida de 80 % da população de um país abaixo da linha da pobreza ou pessoas que não têm onde dormir e que perderam filhos por causa de desabamentos não combina com o ideal de realidade que as televisões, jornais e revistas desejam vender. Quando essas questões saltam aos olhos, afinal não podem ser ignoradas sempre, o tratamento é cosmético, superficial. Dessa forma, fica fácil acalmar e tranquilizar o público com as maravilhas tecnológicas do Campus Party.

Seguindo o mesmo roteiro?

Os grandes veículos de comunicação que deveriam cumprir a função de alertar a sociedade, parecem estar esperando ocorrer novos deslizamentos, no próximo ano, para, seguindo o script de sempre, chocar a sociedade com o choro de mães, filhos e pais e o olhar desolado de quem perdeu o pouco que tinha.

Será que algum repórter que, hoje, visita os bairros pobres vai acompanhar o planejamento – ou a falta dele – para se evitar novos desastres e mostrar para as pessoas o que está ou não está sendo feito? Ou a cobertura jornalística, assim como em um circo, tem servido para distrair por algumas horas e simplificar a realidade. Não seria o ideal ir até a raiz do problema, contextualizá-lo? No caso do Haiti, quem faz um acompanhamento um pouco mais ligeiro das notícias, pode ficar com a sensação de que o terremoto do dia 12 é o culpado de toda miséria e falta de estrutura do país, quando sabe-se que a história do país está ligada à exploração imperialista das nações mais poderosas militarmente.

Não dá para isentar de culpa nem os comunicadores que informam sem criticidade, ou o público que tem uma ‘distorção’ das prioridades. Mas, a responsabilidade dos que têm os canais de informação não pode ser relativizada, são eles que oferecem o conteúdo com o qual a população toma ciência do mundo. Infelizmente, a opção escolhida é de alienar a sociedade com doses de divertimento sem sentido ou notícias de baixa qualidade e pouca profundidade.


(*) Paulo Pastor Monteiro de Carvalho é estudante de Jornalismo da Unesp.



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