Em palestra realizada na manhã de ontem, 11 de maio, na Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ), Marina dos Santos, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirmou que a luta pela reforma agrária no atual contexto nacional não se limita à distribuição de terra. Ela citou informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo o qual 1% dos proprietários detém 40% das terras produtivas no Brasil. “Só perdemos para o Paraguai em termos de concentração de terra”, apontou Marina.
“As empresas passaram a dominar o comércio agrícola, impõem preços à produção regional, enfraquecendo as políticas públicas estaduais e gerando uma padronização dos alimentos em circulação de modo a prejudicar a saúde das pessoas. Os indígenas, ribeirinhos, quilombolas, as quebradeiras de côco, também são lutadores históricos pela sobrevivência, e o MST tem contribuído na organização dessas lutas por políticas públicas ”, afirmou a militante.
O modelo de modernização do campo foi aprofundado na década de 1990, segundo Marina dos Santos, num regime predatório e excludente, em que a luta pela terra passou a ser não só entre os trabalhadores e os latifundiários, mas também com as grandes empresas. As consequências, apontou a coordenadora do MST, são diversas: ampliação da agricultura industrial, com prioridade na exportação, sobretudo na cana de açúcar, soja e eucalipto; destruição da biodiversidade; desterritorialização do campo, em detrimento do inchaço das cidades; a proliferação de sementes transgênicas e uso cada vez maior de agrotóxicos. Marina destacou que em relação a este último, o Brasil é o maior consumidor do mundo.
“Entendemos a reforma agrária como a distribuição de terras em benefício do campo e da cidade, trazendo o redirecionamento e participação da população rural na sociedade brasileira. Ela vai além do acesso à terra, propomos junto com a garantia da distribuição de terras a mudança de Estado na matriz tecnológica de produção para uma ecológica; o monocultivo de exportação para a soberania alimentar; pequenas agroindústrias no campo de acordo com as suas produções, de modo a também baixar o preço; e, o que é fundamental, a educação com a erradicação do analfabetismo - segundo o MEC, 69% das pessoas no campo são analfabetas -, escolas técnicas e o acesso às universidades”, disse Marina dos Santos.
Miguel Baldez, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e assessor de movimentos populares, disse que o MST significa a confluência de todas as lutas históricas no campo realizadas no Brasil. De acordo com o jurista, as leis brasileiras foram formuladas no início do século XIX, ao lado dos interesses dos proprietários, e até hoje não foram alteradas.
“Há uma cerca jurídica morta que tem uma cerca viva em volta, com ressalvas, que envolve a magistratura e o ministério público, dentre outros órgãos. E os direitos fundamentais que estão no campo da ética foram transformados em mercadoria. A solução jurídica que foi dada em 1964 pelo Estatuto da Terra foi uma apropriação política que congelou a reforma agrária”, ressaltou Baldez.
Criminalização dos movimentos sociais
Ambos palestrantes ressaltaram a influência da mídia na criminalização dos movimentos sociais. Marina exemplificou os parlamentares da bancada ruralista que na atual CPI contra o MST fundamentam seus argumentos com matérias publicadas em revistas nacionais, como a Veja, apresentadas como provas de incriminação. Baldez, por sua vez, apontou o provimento de subjetividades, sobretudo pela televisão, como um condicionamento ideológico a que toda a sociedade está exposta.
“Não é um tema novo, nos últimos tempos há uma tentativa de incriminar e criminalizar os movimentos sociais de pobres da cidade e do campo: criminalizar a pauta. A luta pela reforma agrária, por exemplo, virou crime. Isso ocorre pela articulação dos setores mais patriarcalistas: os ruralistas, parte do judiciário e do legislativo, o executivo e parcela da mídia brasileira. Em sete anos é a terceira CPI contra o MST, com as mesmas teses e fontes que eles mesmos produzem”, criticou Marina dos Santos.
Para Miguel Baldez, o trabalhador nunca teve fala, tanto em ditaduras explícitas, quanto em democracias parlamentares: “eles não são excluídos porque têm de produzir, e nesse lucro gerado para as empresas arrumam o seu meio de subsistência”, afirmou o professor.
“Estão preocupados porque o que o MST faz é a proposta de uma nova sociedade, e ele traz de volta com a sua criatividade a ocupação de terras . A norma jurídica é a cápsula do trabalhador, a faticidade social apropriada e transformada por uma realidade que não é a efetiva. Nós juristas temos que devolver a eles o que lhes foi expropriado, essa é uma saída democrática”, observou o jurista.
O evento “A luta pela terra – reforma agrária – criminalização dos movimentos sociais” fez parte da 15ª reunião do Fórum Permanente de Direitos Humanos, sob mediação do diretor-geral da Emerj, Sérgio de Souza Verani. Segundo o desembargador, a luta pela terra é a principal batalha no campo dos direitos humanos a ser travada atualmente. Na abertura do evento, Verani associou a Guerra de Canudos, retratada em Os Sertões, por Euclides da Cunha, ao massacre dos trabalhadores Sem Terra em Eldorado dos Carajás (PA), há 14 anos, reportado pelo jornalista Eric Nepomuceno, no livro O Massacre, apresentando a contemporaneidade do tema.
Fonte: Fazendo Media
0 comentários:
Postar um comentário