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Perícia contradiz despejo de favelas cariocas

quarta-feira, 26 de maio de 2010

A disputa dos moradores de oito favelas que a prefeitura do Rio de Janeiro quer desalojar, por considerá-las áreas de deslizamento, tomou novos rumos ao ser conhecida uma perícia que desmente esse argumento. Os peritos do Núcleo Terra e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro concluíram que “não há fundamento técnico para a evacuação” da favela Morro dos Prazeres, como havia determinado o Instituto de Geotécnica do município (Geo-Rio).

O prefeito Eduardo Paes assinou a ordem de despejo com base no informe do Geo-Rio, vinculado à Secretaria Municipal de Obras Técnicas. No dia 10 de abril, Paes anunciou a retirada de 3.600 famílias das comunidades de Morro do Urubu, Fogueteiro, Tabajaras, Laboriux, Cantinho do Céu e Pantanal, no Morro do Turano, Parque Colúmbia e Morro dos Prazeres. A medida foi decidida dois dias após o temporal que causou 256 mortes, a maioria por deslizamento, nas favelas localizadas nas encostas dos morros”. Milhares de pessoas ficaram sem teto.

A paisagem das favelas é característica desta cidade de seis milhões de habitantes. O Instituto Pereira Passos estima que nelas vivem um milhão de pessoas, segundo o censo de 2000. Segundo as análises iniciais e complementares do Núcleo Terra e Habitação, “não há nada que seja coerente para determinar que todo o bairro seja despejado”, disse à IPS o engenheiro Mauricio Campos, responsável pela perícia da Defensoria Pública.

Campos acrescentou que “os demais procedimentos investigativos aplicados nas oito favelas são questionáveis” porque o Geo-Rio “marcou como de risco áreas nas quais existem muros de contenção contra deslizamentos e que resistiram às chuvas”. A revisão técnica assinada por Campos também recomenda a “realocação das famílias que vivem em zonas de risco”, mas “dentro do mesmo bairro ou em áreas próximas”, como determina a Lei Orgânica Municipal.

Com base no informe deste grupo técnico – que também fiscalizará os estudos do Geo-Rio em Fogueteiro, Tabajaras e Laboriux – os moradores pedirão à Defensoria Pública Estadual que suspenda todos os despejos. O decreto “esconde a intenção de valorizar os terrenos próximos com a realocação destas favelas”, disse Marcelo Chamorro, dono de um imóvel em Tabajaras. Ali “as chuvas não causaram feridos, mortos e nem deslizamentos”, afirmou. Além do mais, “esta é uma favela-bairro: pagamos impostos e serviços, foram feitos muros de contenção e colocado asfalto”, acrescentou.

“Este bairro está registrado no município desde 1988”, continuou Chamorro, e “por isso a demolição de casas em perfeito estado e as indenizações oferecidas acima do valor de mercado me levam a pensar que se trata de pura especulação imobiliária”. Aos proprietários foi oferecida uma indenização 40% acima do valor venal das moradias para que comprem casa em outro local. Sete das favelas incluídas no decreto fazem fronteira com bairros de classes média e alta. “Em Prazeres, temos uma das melhores vistas do Rio”, disse Soraide Gomes, que vive ali há 28 anos. “Querem nos tirar porque estes terrenos valem uma fortuna”, destacou.

Entre 1995 e 2002, foram feitas obras de infraestrutura em Prazeres, no valor de US$ 14 milhões. E agora “só houve desabamentos onde não foram feitas obras, como no Setor 42 e em Pequeno Prazeres, áreas anexadas à comunidade” e nas quais morreram 42 pessoas. Antes do temporal, 13 mil domicílios estavam incluídos em áreas de risco. Para Jorge Barbosa, um dos coordenadores do não governamental Observatório de Favelas, “para a indústria imobiliária e para a construção civil não interessa investir em casas populares porque querem um retorno financeiro rápido”.

Doutor em Geografia e especialista em Urbanismo, Barbosa considera “mentira que seja inviável urbanizar as favelas, e essa limpeza viabilizada pelos despejos é uma afronta moral à vida social de quem os sofre”. Os desalojados que eram inquilinos foram incluídos no plano Aluguel Social, pelo qual recebem cerca de R$ 115 durante três meses. Tanto estes como os proprietários podem entrar no plano do governo federal Minha Casa, Minha Vida, que constroi bairros populares no centro e no subúrbio da cidade. “Esse dinheiro permite alugar apenas em áreas muito distantes e não resolve nada porque essas pessoas perderam tudo”, afirmou Barbosa.

Luana de Castro viveu até o dia 16 deste mês em um dos abrigos improvisados em uma escola, “porque metade da minha casa de barro e madeira desmoronou”. Mãe solteira de duas filhas e desempregada, residia até abril no Morro do Turano. “Agora vou começar a receber o Aluguel Social e me inscrever no Minha Casa, Minha Vida, porque não tenho para onde ir”, contou. Cristiane Susana Silva, vizinha de Luana na favela e no abrigo, concorda com o despejo. “Não quero voltar a viver esse dia. Não posso culpar o governo porque em Turano nunca ninguém investiu em obras”, disse. IPS/Envolverde


Por Leonel Plügel, da IPS - Envolverde

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