Entramos o ano com Gaia exibindo sua fúria, tragicamente. O fenômeno geológico do Haiti, agravado pela miséria, os fenômenos ambientais brasileiros, como Angra, Paraitinga e São Paulo, confirmam a força assombrosa da natureza, superior ao ser humano. Ou nos adequamos às suas leis, ou ela nos devora.
Nesse sentido é preciso analisar 2010, o ano das eleições presidenciais, a primeira depois da era Lula. Para muitos, pessoas de grande respeito, essa eleição não traz o novo. Tudo indica que – Lula quer assim – não passe de uma comparação estatística entre o governo de FH e o governo Lula, como se fosse um plebiscito para ver quem fez mais. Como não há diferença qualitativa entre ambos, vão comparar a quantidade, os números econômicos e sociais de um e outro. Por isso, houve-se fartamente por parte de eleitores o desejo de votar nulo.
Mas o processo eleitoral pode trazer uma novidade. O conflito começa se estabelecer entre um capitalismo cinza – Serra, Dilma, Ciro – com o capitalismo verde de Marina da Silva. À primeira vista não há novidade, afinal, seria continuar pensando o futuro dentro dos marcos do capitalismo vigente. A diferença é que o capitalismo cinza continua predador, industrial, consumista, elitista, provocando devassas por onde passa. O segundo precisa manter as florestas em pé, aproveitar economicamente a biodiversidade, explorar fármacos, essências, fragrâncias, turismo, enfim, lucrar em cima de uma natureza mais preservada. Do ponto de vista da lógica capitalista eles não são diferentes, pensam em seus negócios. Do ponto de vista ecológico aparentam certos diferenciais. Como a vida está em jogo, essa diferenciação merece ser apreciada.
Está difícil emergir uma candidatura que pense em outra lógica, fora dos marcos do capital. Até porque, mesmo no campo das esquerdas, a questão ecológica até agora foi pouco ou mal assimilada. Elas ainda não incluem num raciocínio político que a Terra tem sua alteridade em relação ao ser humano. A maior parte de nossas esquerdas defende um socialismo também cinza. Além do mais, no Brasil político, não temos outra matriz de pensamento que não seja ocidental. Diferente da Bolívia, onde populações ancestrais oferecem uma outra visão de mundo, diferenciada dos paradigmas ocidentais, construindo um outro tipo de sociedade, onde a “Terra tem direitos”.
A alteridade da Terra em relação ao ser humano é uma nova chave de interpretação da realidade, sem eliminar as intra-sociais, como a estrutura de classes, gênero, etnia, religião, minorias, etc. O mundo político brasileiro – embora repita fartamente o discurso ecológico – ainda não amadureceu para esse fator, realmente novo.
Roberto Malvezzi (Gogó) é Assessor da Comissão Pastoral da Terra-CPT, colaborador e articulista do EcoDebate.
EcoDebate, 27/01/2010
1 comentários:
Se não temos justiça social precisamos pelo menos ser justos com o meio ambiente. Acredito que por hora o "capitalismo verde" realmente seria a solução mais viável, porém ele continua sendo um sistema que traz consigo desigualdade que consequentemente traz diversos defeitos para a sociedade. Quem sabe se houver uma conscientização sobre a nossa inferioridade em relação à natureza, aconteça também uma revolução no pensamento e as pessoas passem a ter consciência de que somos todos iguais e logo o capitalismo verde pode se tornar um sistema igualitário que não despreza o meio ambiente.
27 de janeiro de 2010 às 01:54Postar um comentário