O ano novo é ainda jovem, mas várias revelações recentes colocam a luta dos EUA contra a Al-Quaeda sob uma luz negra, para não dizer escandalosa. Por Juan Cole, Presidente do Instituto Americano para a Justiça Global.
O ano novo é ainda jovem, mas várias revelações recentes colocam a luta dos EUA contra a Al-Quaeda (uma pequena, mas mortal fraternidade de dois mil fanáticos distribuídos por dúzias de países), sob uma luz negra, para não dizer escandalosa. Toda a premissa do combate à Al-Quaeda pensada como sendo um exército inimigo, utilizando o Pentágono como agência líder, enquanto se militariza simultaneamente a CIA, tem que ser questionada.
Tal como se deverá fazer a muitas outras premissas sobre a chamada “guerra permanente” (“Long War”) da América contra sectores do mundo muçulmano, incluindo os ataques aéreos, as bases secretas e a tortura. Pior de tudo, têm surgido revelações embaraçantes sobre acções e políticas prejudiciais ou mesmo criminosas que apenas podem afectar um programa anti-terrorismo genuíno.
1- De acordo com o que Scott Horton escreveu na Harper’s, a evidência de que o suposto suicídio em grupo dos três prisioneiros em Guantanamo, no Verão de 2006, foi na verdade um homicídio, está a vir à tona, ou seja, eles podem ter morrido de asfixia durante interrogatórios agressivos que envolviam o encher da garganta dos prisioneiros com trapos, cortando-lhes a respiração. Estas alegações explosivas podem colocar o Presidente Obama sobre ainda mais pressão para realizar a sua promessa de fecho da prisão.
2- Entre 2002 e 2008, o FBI invocou falsamente emergências terroristas 2000 vezes, para poder comprometer-se com escutas telefônicas ilegais a americanos, sem a necessidade de um mandato. A agência utilizou uma provisão prevista no “Patriot act”, a qual os funcionários da administração Bush asseguraram no Congresso que nunca seria utilizada para casos internos correntes.
3- Com o Photoshop, o FBI manipulou a cara do parlamentar de esquerda espanhol, Gaspar Llamazares, combinando-a com as feições de Usama Bin Laden, de modo a produzir um suposto retrato do terrorista já envelhecido. A Espanha ficou enfurecida e todo o incidente evidenciou o amadorismo e a estupidez numa área, o anti-terrorismo, onde nada disto é desejável. Uma pista para o FBI: Usama Bin Laden não publicou uma mensagem-vídeo desde Outubro de 2004. Podemos concluir que ou se encontra bastante desfigurado por um ataque que quase teve sucesso ou que está morto. Não se pode projectar a sua aparência futura com Photoshop de forma útil de qualquer maneira.
4- George W. Bush argumenta que cometeu um erro ao referir-se à sua “guerra contra o terrorismo” como uma “cruzada”. Porém foi revelado que a companhia de Michigan que produz as miras para as espingardas para o exército dos EUA, inscreve nelas versos da Bíblia. A tomada da Academia da Força Aérea dos EUA por fundamentalistas cristãos já é preocupante, mas um Complexo Militar Evangélico é verdadeiramente assustador.
5- O governo do Iraque que ascendeu ao poder sob os auspícios de George W. Bush, liderou uma acusação colectiva contra a corporação de mercenários Xe (então conhecida como Blackwater), por ferimentos infligidos aos seus homens de segurança. Xe, liderada por fundamentalistas militantes cristãos, é um contratante primeiro do Pentágono, replicando o trabalho dos GI's mas cobrando doze vezes mais por ele.
Os Iraquianos ficaram enfurecidos quando uma acusação do governo contra os mercenários de Blackwater, pelo tiroteio na Praça de Nisour, em Bagdade, que provocou o assassinato de mais de uma dúzia de civis, colapsou devido à alegação de má fé na acusação. Baseado nesta boa recomendação o exército americano levaram mercenários Xe para o Paquistão, estando estes alegadamente envolvidos em ataques aéreos nesse país, depois de terem ganho corações e mentes1.
6- Pior, o Pentágono considera trazer milhares de seguranças Blackwater para o Afeganistão. A grande Representante no Congresso, Jan Schakowski (D – I11.) está a introduzir uma lei para banir o uso de tais firmas mercenárias.
7- O jornal alemão Der Spiegel revelou ainda outra conspi
ração da CIA para raptar um cidadão de um país aliado por suspeitas de envolvimento em terrorismo (uma suspeita que anos de investigação das autoridades alemãs não conseguiram sustentar). Os Aliados não aceitam bem este tipo de coisas. Um juiz italiano, recentemente, condenou in absentia 23 operacionais da CIA por realizarem um rapto em Itália.
8- Foi revelado que o ministro dos negócios estrangeiros britânicos Jack Straw escreveu uma carta ao primeiro-ministro Tony Blair, em 2002, alertando-o de que uma guerra no Iraque seria ilegal, que muitos deputados trabalhistas se iriam opor, que Saddam não tinha ligação ao 11 de Setembro, nem à Al- Quaeda, que o Iraque muito provavelmente não teria quaisquer armas de destruição maciça com importância e que não havia garantia de que a condição dos iraquianos melhoraria em relação a 2002, no decorrer de uma tal guerra.
Esta carta mostra que Blair empenhou-se na guerra em Crawford, em Abril de 2002, ainda que mais tarde tenha afirmado repetidamente perante os seus colegas deputados que nenhuma decisão tinha sido tomada. A carta reivindica que o diário de Downing Street de alguns meses mais tarde, no qual o líder dos Serviços de Informação britânicos se queixa da tomada de decisão da guerra e dos serviços estarem determinados pelas políticas.
Isto mostra também que o mantra da administração de Bush, que diz que todos os aliados dos EUA fizeram o mesmo juízo errado de Bush-Cheney, é simplesmente incorrecto. O Ministério dos Negócios Estrangeiros britânicos já o sabia.
9- A administração Obama foi forçada por uma petição da União Americana pelas Liberdades Civis, a fornecer os nomes dos prisioneiros detidos na Base aérea de Bagram, no Afeganistão. A administração Obama insiste que estes indivíduos não têm quaisquer direitos humanos, ainda esteja previsto que alguns sejam julgados em tribunais militares. É difícil perceber porque é que Guatanamo é considerado mau e Bagram bom. Há alegações de tortura de reclusos, incluindo adolescentes. As instalações e os seus prisioneiros estão para ser entregues pelos EUA ao governo Afegão ainda no final deste ano.
10- A reacção inicial da administração Obama ao bombista do voo Detroit foi desprevenida e incluiu proibir as crianças de carregarem os seus ursos de peluche no colo durante a última hora de voo, tal como renovados ataques aéreos e um profundo envolvimento no Iémen, sob o pressuposto de existirem 300 membros da Al-Quaeda nesse país rochoso, inacessível e organizado por tribos. A Al-Quaeda preparou armadilhas para os EUA caírem enquanto perseguem o seu pequeno e ágil inimigo e os EUA continuam a cair nelas.
A perspectiva da presença de tropas dos EUA no Iémen fez com que o seu Conselho de Clérigos ameaçasse com a evocação da Jihad ou o clamar pela “Guerra Santa” contra os EUA se qualquer tentativa de ocupação do país fosse feita. Os EUA tentaram refrear estas preocupações com a declaração firme de que não enviariam tropas, mas não antes dos Iemenitas já estarem fartos da situação e do anti-americanismo ter aumentado.
1Alusão à campanha de propaganda americana "Iraq: Winning Hearts and Minds" (“Iraque: ganhar os corações e as mentes”), nota do tradutor.
Juan Cole
Fonte: http://www.esquerda.net
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