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Julgamento internacional mancha imagem do Brasil

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O julgamento pelo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro pelos crimes da ditadura militar (1964-1985), e a negativa do país em julgá-los internamente, mancham a imagem desta nação que pretende se converter em uma nova referência mundial. “Como o Brasil pode se apresentar como um líder internacional se não é capaz de julgar aqueles que violaram os direitos humanos de seus cidadãos em nome do Estado?”, disse à IPS Beatriz Affonso, advogada do não governamental Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejuil).

Beatriz representa os familiares das vítimas da ditadura que apresentaram, em 1995, uma demanda junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Washington e vinculada à Organização dos Estados Americanos. O caso Gomes Lund, conhecido como Guerrilha do Araguaia, foi enviado ao Tribunal, com sede em São José da Costa Rica, em março de 2009.

Nas audiências públicas realizadas nos dias 20 e 21 de maio em São José, as Forças Armadas do Brasil foram acusadas de detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista e camponeses, no contexto da operação Guerrilha do Araguaia, ocorrida entre 1972 e 1975, no Estado do Pará. No processo “mostramos que o Brasil não cumpre as leis internacionais”, disse Beatriz, para quem o país “deve acatar uma sentença favorável do Tribunal” para não ser equiparado “ao governo de Alberto Fujimori (1999-2000), Que se negou a cumprir uma resolução condenatória dessa corte” quando presidia o Peru.

As partes têm até 21 deste mês para apresentar suas alegações por escrito. Depois o Tribunal emitirá uma sentença, em prazo não estabelecido. A título pessoal, Wadih Damous, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro, disse à IPS que “deve prevalecer a decisão do Tribunal, porque o país aderiu a ele em 1998 como membro da Organização dos Estados Americanos” com o compromisso de “respeitar suas resoluções”.

Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu seu primeiro mandato em 2003, o Brasil insiste em ocupar um lugar permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Neste contexto, o país teve papel protagonista em diversos conflitos internacionais. As audiências do julgamento na Costa Rica aconteceram menos de uma semana depois que o Brasil assinou com Turquia e Irã um acordo sobre troca de material nuclear.

Também decidiu asilar em sua embaixada em Honduras o presidente desse país, Manuel Zelaya, quando este tentou, em setembro do ano passado, retomar o cargo que lhe fora tirado à força em 28 de junho. Para William Gonçalves, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, “Esse processo no Tribunal não deverá ser um obstáculo para a projeção internacional do Brasil, porque sobre todos os países pesam acusações de violações dos direitos humanos”. “A China sempre está na mira da ONU por essa questão, e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, prometeu desativar a prisão de Guantânamo e ainda não o fez”, disse à IPS.

Para Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense, “todos os países que integram permanentemente o Conselho de Segurança têm um passado muito próximo da tortura. Podem utilizar uma possível sentença no Tribunal Interamericano porque a política diplomática brasileira se mostra como alternativa ao eixo União Europeia-Estados Unidos como árbitro em conflitos internacionais”, disse à IPS.

Segundo Aarão, “a diplomacia brasileira sempre manifestou orgulho de sua tradição em respeitar acordos e decisões de tribunais internacionais, mas é preciso ver que postura terá neste caso, porque a política do Estado brasileiro sobre crimes na ditadura é de não julgar os responsáveis”.

O Tribunal também analisa na mesma causa a interpretação política da Lei de Anistia, promulgada em 1979 pelo governo ditatorial, que serviu, segundo a visão dos militares e da classe política da época, para iniciar o processo de redemocratização do país. Os sucessivos governos democráticos, a partir de 1985, mantiveram a posição de que essa medida serviu “como reconciliação” das partes que se enfrentaram durante os 21 anos de ditadura.

O Brasil enviou às audiências 20 representantes para defenderem sua postura de não investigar os crimes cometidos por agentes do Estado entre 1964 e 1985. “A Lei de Anistia é, de fato, a principal trava legal para colocar no banco dos réus os acusados de violação de direitos humanos”, disse à IPS Elizabeth Silvera e Silva, dirigente do Grupo Tortura Nunca Mais e testemunha nas audiências de maio pelo desaparecimento de seu irmão no Araguaia.

Em 29 de abril, o Supremo Tribunal Federal ratificou essa lei como garantidora de reconciliação. “O STF deveria ter feito uma revisão jurídica, não política”, disse Beatriz Affonso, porque “a Constituição de 1988 garante que não prescrevem os crimes de lesa humanidade”. Para Damous, que em São José representou a OAB como entidade convidada a testemunhar, “se o Tribunal entender que o Estado é responsável pelos crimes, a Lei de anistia perde validade”. “Uma sentença contrária sobre este tema deixará mal o Estado brasileiro diante da opinião pública internacional”, acrescentou a advogada do Cejuil.

“O Supremo Tribunal Federal já prejudicou a imagem internacional do Brasil porque, ao ratificar a Lei de Anistia, avalizou de forma implícita que no Brasil aceita-se a tortura”, disse Aarão. Por meio de seu departamento de comunicação, a chancelaria brasileira informou que “não se pronunciará sobre o tema até que o Tribunal Interamericano dê uma sentença definitiva”.

* Matéria originalmente publicada no site da Envolverde



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