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A criminalização da pobreza em escala continental

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O candidato do PSDB-DEM à presidência da República, José Serra, disse a uma rádio carioca: “Você acha que a Bolívia iria exportar 90% da cocaína consumida no Brasil sem que o governo de lá fosse cúmplice? Impossível. O governo boliviano é cúmplice disto”.


Serra conseguiu, numa única declaração, ser desrespeitoso e ignorante. Desrespeitoso porque alguém que pleiteia a presidência da República não pode se referir desta forma a nenhum governo. E ignorante porque esta declaração faz parecer que a Bolívia é a grande responsável pela desgraça de quem é viciado no Brasil, o que está longe de ser verdade.


Mas para além do desrespeito e da ignorância, é possível sentir um certo sensacionalismo na declaração de Serra. Um político com tanta experiência conhece muito bem a dimensão da cadeia de produção de cocaína; sabe que entre o plantio da folha de coca e a obtenção do produto final há muito mais do que a vã filosofia do Departamento de Estado estadunidense. O jornalista José Arbex Jr. já denunciou, na Caros Amigos, que para se chegar ao produto final é preciso incorporar elementos químicos que não são produzidos nos países que cultivam a folha de coca. Muitas vezes eles chegam de laboratórios dos países ditos desenvolvidos, mas esta informação nunca é divulgada pelas corporações de mídia – o que inverteria completamente a percepção do senso comum.


Já é consenso no mundo que a política antidrogas estadunidense falhou. Não tem funcionado centrar os ataques aos países produtores. Até as Nações Unidas, em relatório divulgado em março de 2009, afirma que a campanha antidrogas teve efeito contrário ao esperado, fazendo os cartéis ficarem mais poderosos. E o governo Evo Morales expulsou de seu país a DEA e a CIA, agências responsáveis pela condução dessa política, além de ter expulsado o embaixador ianque por participar de conspiração num golpe de Estado.


É importante lembrar que a folha de coca é uma tradição na Bolívia, sobretudo na região andina. Ou seja: nem toda a produção do país se destina à produção de cocaína. Você encontra a folha em qualquer banquinha de esquina, do mesmo jeito que encontramos banana no Brasil. Cada saquinho pequeno custa R$ 0,70 (do tamanho de um pacote de fandangos de 30g), e o grande R$ 1,60 (fandangos de 100g). A folha é recomendada para combater os males da altitude, o cansaço, a fome. Também é usada no tratamento de cárie e os psiquiatras bolivianos já usam a folha para remediar a depressão. Isso sem falar no aspecto espiritual da coca, que é reconhecido pela nova Constituição Política de Estado. O mais comum nas ruas de La Paz é ver as pessoas mascando a folha de coca, as bochechas cheias com aquelas bolas enormes de folhas laceradas. O chá de coca é tão comum lá quanto o café aqui.


Cocaleros reunidos no interior de La Paz


Ao declarar que o governo boliviano é cúmplice do tráfico de cocaína para o Brasil, Serra faz uma escolha arriscada. Em lugar de provocar o debate mais amplo sobre a questão das drogas, ele investe no radicalismo binário. A culpa é do índio maluco. Serra vai buscar a tese do inimigo externo justo no país vizinho, cujo PIB não chega a um décimo do brasileiro. Mas tem um governo de esquerda, que erradicou o analfabetismo e, muito importante, tem um povo que o aprova em sua grande maioria. Nada de atacar o imperialismo ianque ou seu enclave na América do Sul, a Colômbia. O grande inimigo do Brasil, para Serra, é a Bolívia. Um raciocínio que projeta a criminalização da pobreza – muito presente no modo demotucano de governar – em níveis continentais e nos lembra que a política externa que ele defende é a do atrelamento automático às grandes potências.


Eleições de outubro


Do ponto de vista eleitoral, a declaração de Serra é compreensível. É um discurso que encontra algum apelo, sem dúvida, apesar de sua amplitude ser duvidosa. Afora a classe média obtusa, tão ignorante quanto sua declaração, dificilmente Serra encontrará apoio no povão. Tanto o do Brasil quanto o da Bolívia. Os bolivianos, de modo geral, gostam tanto de Lula quanto do Evo. Uma vez ouvi na Praça Murillo, em La Paz, de um vendedor ambulante: “Com Lula finalmente vocês têm um presidente do povo”. É o mesmo sentimento que têm em relação a Evo. São dois povos que de dez anos pra cá já não votam em quem o patrão manda.


Cerca de um mês antes, o candidato do PSDB-DEM havia dito que o Mercosul é uma farsa. O que pretende o candidato tucano? Não duvido que em breve vá se insurgir contra Hugo Chávez, o alvo favorito das corporações de mídia. Em queda nas pesquisas, ele estaria partindo para o tudo ou nada? Como o time que está perdendo e se lança inteiro ao ataque. Mas será que os estrategistas tucanos pensaram bem? Vale lembrar que o time que avança por completo corre o risco de tomar o gol no contra-ataque, ainda mais num continente em que os países têm aprofundado os laços, com instituições cada vez mais sólidas e um povo cada vez mais consciente de seu papel enquanto sujeito histórico.


Por Marcelo Salles, jornalista, e colaborador da revista Caros Amigos e do jornal Fazendo Media.


Fonte: Escrevinhador

2 comentários:

Parrudo disse...

As declarações do Serra foram algo realmente preocupante, não sou um critico ferrenho à sua política, porém com tal argumento ele mostra que seu governo pode ir na direção contrária ao atual, e ao invés de propor a integração dos povos latino-americanos, e promover o Brasil como um Estado imparcial no aspecto global, mostra que uma política que se mostra parcial do ponto de vista internacional, principalmente quando o Estado em questão tem uma ideologia diferente da sua.

17 de junho de 2010 às 10:56
Parrudo disse...

Vídeo que mostra José Serra em que ele da uma palhinha da sua opnião no combate às drogas na America Latina.

http://www.youtube.com/watch?v=X7rKx4pACAM&feature=player_embedded

17 de junho de 2010 às 13:48

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