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O preconceito dos esnobes

sábado, 13 de novembro de 2010

O racismo é um dos sub-produtos da campanha presidencial. O baixo nivel que marcou o fim do primeiro turno deixou sequelas variadas após a vitória de Dilma Rousseff.

Uma das sequelas é o racismo, que renasce no país como um consolo para derrotados. Quem não gostou da vitória de Dilma tenta argumentar que os eleitores que decidiram o pleito não tinham condições reais de votar, não sabiam qual o verdadeiro debate da campanha nem as consequencias de sua decisão.

Uma primeira manifestação deste espírito regressivo foi de puro baixo nível, simbolizado pela estudante paulista que defendeu o assassinato de nordestinos.
Nos últimos dias, entramos numa segunda fase, que procurava garantir a sobrevivência do preconceito de forma menos primária e até com pretensões ideológicas. Puro esnobismo — disfarçado de alguma erudição.

Já li que a culpa pelo recrudescimento do preconceito contra nordestinos é responsabilidade do presidente Lula. Não se sei a razão mas posso imaginar. Ao longo da história, sempre foi mais fácil culpar negros e judeus pelo tratamento discriminatório a que eram submetidos. Dizia-se que os negros só gostavavam de samba e futebol. Já os judeus seriam exclusivistas e fechados entre si. Enquanto isso, nossos indígenas seriam preguiçosos e incapazes para o trabalho…

Lula talvez possa ser responsabilizado pelo retorno do preconceito porque é pernambucano de nascimento e determinadas pessoas não se conformem que um cidadão com sua origem possa desfrutar de tanto prestígio e popularidade — a maior da nossa história, vejam só.

Ou talvez porque, sob seu governo, a distância entre a miséria nordestina e o quadro social de outras regiões do país tenha diminuído. Pessoas habituadas a viver “por cima da carne seca” podem sentir-se menos confortáveis no novo cardápio social do país e acusam o governo de tratá-las de forma desigual e até humilhante.

Imagine que uma leitora chegou a dizer, no twitter, que Lula estimulava o preconceito contra nordestinos porque pregava a luta de classes. Prova de que ainda tem gente que acredita tanto em estereótipos preconceituosos que não sabia que existem nordestinos milionários, com empresas gigantescas e modernas, que nada ficam a dever a similares do Sul.

Outra manifestação desse mesmo patamar saiu hoje na Folha. Um articulalista escreve assim: “Sou preconceituoso. E daí?”

Numa demonstração de interesse em reforçar preconceitos mesmo com apoio de falsidades, o artigo alimenta o estereótipo dos ignorantes e desinformados, sustentando que os nordestinos decidiram a eleição de 2010. A função oculta desta frase, aparentemente informativa, é colocar os votos do Nordeste sob suspeita, como mercadoria de segunda classe.

Mas olha a crueldade: os números do TSE informam que Dilma Rousseff teria sido vitoriosa mesmo sem os votos daquela região do país. É duro jogar com a mentira.

Em outros parágrafos, o texto amplia o preconceito. Sem prender-se a uma região específica do país, seu alvo são todos os brasileiros humildes, com pouca instrução formal. Para critícá-los, o artigo emprega termos depreciativos e imagens negativas, sustentando que são cidadãos que padecem daquele defeito de não saber votar, o mesmo que Pelé lembrou no passado para explicar porque a ditadura militar não realizava eleições diretas para presidente.

Sem respeito nem pudor, este eleitor é descrito como um sujeito indolente, que não conhece o nome dos candidatos nem sabe o que está em jogo na eleição. É criticado porque não presta atenção no horário político e esquece o nome dos deputados em quem votou meses depois de ir à urna.

Seria apenas vergonhoso se não fosse coerente. Assumidamente preconceituoso em relação à maioria dos cidadãos brasileiros, o texto aponta como modelo para os dramas de países em desenvolvimento as idéias que o Chile adotou durante o regime do general Augusto Pinochet.

Questão de coerência. Num texto que demonstra tão pouco apreço pelo voto popular e pelo caráter universal das democracias — onde todos os votos são iguais, sem distinção de renda, cor, educação ou origem — faz sentido valorizar um regime que se notabilizou pela perseguição e execução de seus adversários. Em vez de valorizar o voto e o eleitor, o texto valoriza um regime que praticava a violência, as execuções e a tortura numa escala nunca vista no Continente.

Já deu para entender para onde leva o preconceito, não?


Por Paulo Moreira Leite à Revista Época

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