Que as chamadas “drogas”, sejam legais ou ilegais, não têm vida própria e que seus efeitos dependem, portanto, da forma como são usadas, sendo as políticas de drogas brasileiras as responsáveis pela violência do Estado e do crime já está mais do que provado. Defender tais políticas é defender a manutenção do status-quo, é defender que um mercado com altíssima demanda não tenha qualquer regulamentação e seja controlado pelo crime, é dar ao Estado mais um instrumento de criminalização da pobreza, assassinato seletivo e corrupção, é acreditar na repressão e na mentira como ferramentas educativas e de saúde.
Defender a proibição das drogas é fazer apologia à violência.
É sobre isso que escrevemos neste site há dois anos, mas não é este o tema deste momento, infelizmente. Infelizmente, pois enquanto o mundo discute alternativas às fracassadas políticas de drogas, no Brasil ainda lutamos para… poder debater o tema!
O artigo 5º de nossa cada vez mais desmoralizada Constituição diz o seguinte:
“Art. 5º – IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”
A Marcha da Maconha é um movimento anônimo ou o são policiais e juízes que interpretam a lei como bem entendem e nunca são chamados a se justificarem publicamente sobre isso?
A Marcha da Maconha exime-se de obrigações legais ou usufrui da liberdade de manifestação do pensamento para propor a existência de outras leis?
A Marcha da Maconha necessita de licença para exercer sua livre expressão?
A Marcha da Maconha frustra outras reuniões? As “autoridades competentes” não são informadas ano após ano de sua realização? É uma organização paramilitar???
Sob quais bases o poder judicário brasileiro proíbe a realização de uma manifestação pacífica em algumas regiões enquanto em outras ela acontece normalmente?
PARA QUE SERVE A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA?
Tá certo que ela define igualdade entre homens e mulheres, educação e saúde para todos, prevalência do direitos humanos… e que um monte destas e outras questões não se efetivam na prática social. Mas em nenhum momento se vê decisões judiciais contrariando preceitos constitucionais assim de forma tão descarada.
Por que os guardiões da honra e da legalidade não têm coragem e vergonha na cara de buscarem legalmente a proibição da Marcha antes da véspera do evento, como ocorre todo ano? Todos os anos eles só ficam sabendo do evento na sexta-feira ou eles têm medo do debate?
Ah, mas a Marcha faz “apologia às drogas”. Em primeiro lugar não existe esse delito previsto em lei, e sim o de apologia ao crime, que é o escudo utilizado para o conservadorismo e o preconceito medievais dos nossos agentes da lei que proibem nossas manifestações.
A apologia ao crime se caracteriza legalmente pela defesa pública de fato criminoso ou de autor de crime condenado pela justiça. A Marcha da Maconha existe para defender a mudança da lei brasileira de drogas, isso é um fato criminoso? Não vivemos em um Estado democrático no qual até grupos fascistas podem se reunir no MASP e defenderem a homofobia e o preconceito racial sob proteção da polícia?
Fazem apologia ao crime órgãos de imprensa que debatem o tema? Políticos que se expressam publicamente propondo mudanças na lei? Acadêmicos, artistas, juristas e juízes que têm opiniões sobre a questão? Por que debater políticas de drogas é permitido na mídia, no parlamento e na academia e nas ruas não?
Ou é nosso poder Judiciário que faz apologia ao autoritarismo e ao totalitarismo? A situação encaixa claramente com o que aponta Norberto Bobbio, ao mostrar como o “autoritarismo é uma manifestação degenerativa da autoridade”, é “uma imposição da obediência e prescinde em grande parte do consenso dos súditos, oprimindo sua liberdade”. E também infelizmente flerta com o que traz Hannah Arendt ao afirmar que o totalitarismo “não substitui um conjunto de leis por outro, não estabelece o seu próprio consensus iuris, não cria, através de uma revolução, uma nova forma de legalidade”; a política totalitária simplesmente busca, através da ideologia e do terror, suprimir a diferença até que a lei não seja necessária, até que a liberdade não seja nem mais pensada como tal.
Nossas ruas pertencem à Polícia e ao Judiciário ou ao povo?
PENSAR, DIALOGAR, ATUAR, MANIFESTAR – são crimes?
Se sim, senhores juízes, não tragam viaturas, tragam ônibus, porque muita gente estará no MASP no dia 21 de maio, esperando pacificamente mais uma aula pública de violação da Constituição e da Democracia.
LIBERTAR,
LIBERTAR,
O DIREITO DE PENSAR!
Fonte: Coletivo DAR
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