Que o Irã não tem uma política agressiva nem pretende avançar para a bomba nuclear, até o Pentágono reconhece em um relatório ao Congresso dos EUA de abril passado. No entanto, isso não impede os EUA de ameaçarem o país com uma invasão devastadora, recorrendo até ao armamento nuclear.
A grave ameaça do Irã é a mais séria crise da política externa que enfrenta a Administração Obama. O Congresso acaba de endurecer as sanções contra aquele país, com penas mais pesadas às companhias estrangeiras que ali negociarem. A Administração expandiu a capacidade ofensiva dos EUA na ilha africana Diego Garcia, reclamada pelo Reino Unido, que expulsou a população a fim de que os EUA pudessem construir uma grande base para atacar o Médio Oriente e a Ásia Central.
A Marinha estaduniense informou que tinha enviado para a ilha equipamento para apoiar os submarinos dotados de mísseis Tomahawk, com capacidade para transportar ogivas nucleares. De acordo com o relatório de carga da Marinha, apanhado pelo Sunday Herald, de Glasgow, o equipamento militar inclui 387 destruidores de bunkers para fazerem explodir estruturas subterrâneas reforçadas. "Estão ativando a engrenagem para destruir o Irã", disse a esse jornal o diretor do Centro de Estudos Internacionais e Diplomáticos da Universidade de Londres, Dan Plesch. "Os bombardeiros e os mísseis de longo alcance dos EUA estão preparados para destruir 10.000 objetivos no Irã em poucas horas". A imprensa árabe informa que uma frota estadunidense (com um navio israelense) passou recentemente o canal do Suez a caminho do Golfo Pérsico, com a missão de fazer "aplicar as sanções contra o Irã e supervisionar os barcos que entram e saem desse país". Alguns meios de comunicação britânicos e israelenses informam que a Arábia Saudita está a providenciar um corredor aéreo para um eventual bombardeamento israelense ao Irã (o que os sauditas negam).
No seu regresso de uma visita ao Afeganistão para tranquilizar os seus aliados da Otan depois da demissão do general Stanley McChrystal, o almirante Michael Mullen, responsável máximo da Junta de chefes de Estado-Maior, visitou Israel para se encontrar com o chefe de Estado-maior das Forças de Defesa israelenses, Gabi Ashkenazi, e continuar um diálogo estratégico anual. A reunião centrou-se na "preparação de Israel e dos Estados Unidos perante a possibilidade de um Irã com capacidade nuclear", de acordo com o Haaretz, que, além disso, informou que Mullen tinha enfatizado: "Procuro sempre ver os desafios numa perspectiva israelense".
Alguns analistas descrevem a ameaça iraniana em termos apocalípticos. "Os EUA deverão enfrentar o Irã ou entregar o Oriente Médio" adverte Amitai Etzioni. Se o programa nuclear se concretiza, disse, a Turquia, a Arábia Saudita e outros Estados "mover-se-ão" em direcção á nova "superpotência" iraniana. Numa retórica menos acalorada, isso significa que poderia dar forma a uma aliança regional independente dos EUA.
No jornal do Exército estadunidense Military Review, Etzioni pressiona os EUA para um ataque não só contra as instalações nucleares do Irã, mas também contra os seus ativos militares não nucleares, incluindo infra-estruturas – isto é, sociedade civil. "Este tipo de ação militar é semelhante às sanções: provocar danos com o objetivo de mudar posturas, ainda que por meios mais poderosos", escreve.
Uma análise autorizada sobre a ameaça iraniana é dada pelo relatório do departamento de Defesa dos EUA apresentado ao Congresso em abril passado. Os gastos militares do país são "relativamente baixos em comparação com o resto da região" sustenta o documento. A doutrina militar do Irã é estritamente "defensiva (…) concebida para atrasar uma invasão e forçar uma solução diplomática das hostilidades". O relatório diz ainda que "o programa nuclear do Irã e a sua vontade de manter aberta a possibilidade de desenvolver armas nucleares (são) uma parte central da sua estratégia de dissuasão".
Para Washington, a capacidade dissuasória do Irã é um exercício ilegítimo de soberania que interfere nos desígnios globais dos EUA. Concretamente, se ameaça o controlo estadunidense dos recursos energéticos do Oriente Médio. Mas a ameaça do Irã vai mais além da dissuasão. Teerã também está procurando expandir a sua influência na região, o que é visto como um fator de "desestabilização", presumivelmente em contraste com a "estabilizadora" invasão e ocupação militar estadunidense dos vizinhos do Irã. Para além desses crimes – prossegue o relatório do Pentágono –, o Irã está apoiando o terrorismo com o seu apoio ao Hezbollah e ao Hamas, as maiores forças políticas do Líbano e da Palestina (se é que as eleições contam).
O modelo de democracia no mundo muçulmano, apesar dos seus sérios defeitos, é a Turquia, que tem eleições relativamente livres. A Administração Obama indignou-se quando a Turquia se aliou ao Brasil na procura de um compromisso com o Irã para que restringisse o seu enriquecimento de urânio. Os EUA minaram rapidamente o acordo promovendo uma resolução do Conselho de Segurança da ONU com novas sanções contra o Irã, tão carentes de sentido que a China logo as apoiou alegremente, assumindo que, quando muito, impediriam os interesses ocidentais de concorrer com a China nos recursos do Irã. E sem qualquer surpresa, a Turquia (tal como o Brasil) votou contra a iniciativa dos EUA. O outro membro do Conselho de Segurança da região, o Líbano, absteve-se.
Estas atuações provocaram ainda maior consternação em Washington. Philip Gordon, o diplomata mais prestigiado da Administração Obama em assuntos europeus, advertiu a Turquia que as suas acções não são compreendidas nos EUA e que deveria "demonstrar o seu compromisso de parceiro do Ocidente", segundo informou a Associated Press. Uma admoestação rara a um aliado crucial da Otan. A classe política também assim pensa. Steven A. Cook, um perito do Conselho de Relações Exteriores, defende que a pergunta crítica é: "Como manter os turcos dentro dos carris?" - ou seja, como bons democratas obedecerem às ordens.
Não há indícios de que outros países da região sejam mais favoráveis às sanções promovidas pelos EUA que às posições da Turquia. O Paquistão e o Irã, reunidos em Ancara, assinaram recentemente um acordo para um novo gasoduto. O mais preocupante para os EUA é que o gasoduto possa estender-se à Índia. O tratado de 2008 entre os EUA e a Índia, apoiando os seus programas nucleares, pretende evitar que este país se una ao gasoduto, de acordo com Moeed Yusuf, um assessor em assuntos subasiáticos do Instituto da Paz dos EUA.
A Índia e o Paquistão são dois dos três países que recusaram assinar o Tratado de Não Proliferação (TNP). Israel é o terceiro. Todos eles desenvolveram armamentos nucleares com o apoio dos EUA, e continuam a fazê-lo.
Ninguém de bom senso quer que o Irã, ou qualquer outro país, desenvolva armas nucleares. Uma maneira óbvia de mitigar ou eliminar esta ameaça consiste no estabelecimento de uma zona livre de armas nucleares no Médio oriente. Este tema foi levantado (uma vez mais) na conferência do TNP nas Nações Unidas no início de março passado. O Egito, como presidente do Movimento dos Não Alinhados – constituído por 118 países – propôs que a conferência apoiasse um plano de início das negociações em 2011 propôs um Oriente Médio livre de armas nucleares, como foi acordado pelos países ocidentais, incluídos os EUA, na conferência do TNP de 1995. Formalmente, Washington ainda está de acordo, mas insiste que Israel fique isento – e não há qualquer elemento que permita dizer que as deliberações do pacto se apliquem aos EUA.
Em vez de dar passos efetivos para a redução da escaldante ameaça de proliferação de armas nucleares no Irã ou em qualquer outra parte, os EUA movimentam-se no sentido do seu controle das vitais regiões produtoras de petróleo do Médio Oriente, de forma violenta, se não puder ser de outra maneira.
Por Noam Chomsky, professor de linguística do MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Fonte: RevistaForum
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