Moussavi, o candidato eleito pelo ocidente, tomou na bunda contra Ahmadinejad, que foi escolhido pelo povo iraniano com mais de 60% dos votos válidos. Após os resultados, criou-se todo o rebuliço sobre o qual já sabemos: protestos e pedidos de recontagem de votos. A imprensa ocidental tomou partido da pendenga e resolveu mostrar a que veio: tentou colar a imagem no Irã de uma ditadura sanguinária e que não respeita direitos humanos. Por que tanto empenho em formar esse uníssono?
Concordo com o fato de que o Irã não é uma democracia que respeita muito os pilares dessa forma de governo que ainda sobrevoa nosso mundo das ideias. As censuras à imprensa internacional que o digam. Quanto a direitos humanos, os ocidentais não estão muito atrás: temos Guantánamo e policiais assassinos no Rio de Janeiro, ambos torturam e matam inocentes sem julgamento. Somos bem parecidos nesses vícios.
O sistema eleitoral deles se parece muito mais com a forma de democracia ocidental do que a pequena cabecinha do humano do oeste, que acha que tudo que vem do Oriente Médio é esfiha e bomba, pode achar. Aliás, com pequenos detalhes bastante desejáveis por aqui. O voto é facultativo no Irã: qualquer cidadão com mais de 18 anos pode votar, se quiser. Isso é ainda um tabu para as nossas mesas de votação regidas por políticos que se utilizam do velho voto de cabresto. Lá, não há voto para colégios eleitorais que elegem delegados que votam por nós, como há nos Estados Unidos, cruzadistas de um american way of vote: o voto é direto e individual. Outra coisa: não podemos negar que os iranianos participam do processo. Mais de um milhão de pessoas foram às ruas protestar contra o resultado das eleições.
Sim, aqueles que protestavam tomaram muita porrada da polícia. Tal lá como cá. A polícia de José Serra espancou estudantes que protestavam na USP; Rambo e sua turma, os policiais que torturaram e mataram de graça em Diadema, estão soltos Lembrem-se de que somos o país do massacre de El Dorado dos Carajás e seus tiros de advertência na cabeça. Qualquer um que ande no Centro do Rio de Janeiro sente um frio na barriga quando ouve “olha o rapa!”: em poucos momentos teremos um espetáculo com hordas de camelôs sendo espancados sem piedade pela guarda da “ordem”.
Sobre o seu sistema de governo, os mais etnocêntricos afirmarão que os iranianos convivem com um sistema que mistura oficialmente religião com política. Partidários que são da separação clássica entre as duas esferas dirão que isso é um retrocesso. Por lá há um líder supremo, o senhor Ali Khamenei, que ganhou o posto por ser uma figura respeitada entre os islâmicos. Esse indivíduo tem um poder de consulta, tal qual uma Rainha da Inglaterra, soberana de uma dinastia que já governou a maior potência colonial de todos os tempos; e que assenta a glória de seu posto à vontade de Deus.
Os tópicos da agenda que orientaram o povo iraniano em seu voto foram desemprego e sistema previdenciário. O programa nuclear, grande bicho-papão das potências ocidentais, que são potências nucleares há muito tempo, estava em décimo plano. Diga-se de passagem, ter um programa nuclear é um direito soberano de qualquer nação. As potências nucleares que chiam contra isso foram as mesmas que firmaram acordo para a destruição gradativa de seus arsenais e não o fizeram. Quem tem cu tem medo, e no Irã não é diferente.
A intenção do texto não é afirmar quem é melhor ou pior (a grandiosa imprensa “imparcial” já cumpre esse papel), mas mostrar que somos, ocidentais e orientais, muito semelhantes em vários pontos. Em um mundo pretensamente globalizado, a criação de monstros estereotipados, com turbantes, barbas e bombas, serve muito bem para a manutenção de status quo de grupos que estão no poder. Criar mitos pela distância dos fatos e argumentos de imprensa é fácil, quando conta com a nossa sedutora premissa de superioridade ocidental. Entender o outro, e respeitá-lo, é sempre um gesto de caridade e concessão. Se superiores fôssemos, isso deveria ser um costume.
O Irã, como todo o Ocidente, tem uma democracia de sonho: ainda está distante de se tornar uma realidade.
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