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A vida ou o dinheiro

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A economia e o dinheiro como seu instrumento deveriam servir para que as pessoas vivam dignamente e o mundo possa se tornar mais passível de convivência e familiar para todos os seres humanos. O sentido do termo grego economia significa a “boa administração da casa”. Para a humanidade, a casa é o planeta Terra. Para cada pessoa, a casa é o seu corpo, a ser alimentado e cuidado, assim como sua comunidade familiar e social. Em um mundo globalizado, a casa da humanidade é cada vez mais a sociedade internacional. Quando a economia de um país ou sociedade é alheia ou até contrária à preocupação com a vida das pessoas e até dos outros seres vivos, é sinal de que esta sociedade enlouqueceu. É como se a própria organização do mundo se transformasse em um assaltante que aponta uma arma à sua vítima e grita: “O dinheiro ou a vida!”.

Há poucos dias, o mundo inteiro viu com emoção as operações bem sucedidas de salvamento dos 33 mineiros soterrados em uma mina no Chile. Parecia um milagre ver aqueles trabalhadores pobres e indefesos saírem vivos, depois de terem resistido 69 dias soterrados na mina que desabou. Um perdeu uma perna. Outros precisaram ser hospitalizados e outros ainda, acompanhados psicologicamente, mas a operação de salvamento, coordenada pelo governo chileno, foi considerada uma grande vitória. Entretanto, poucos se perguntaram pelas causas mais profundas daquele acidente e se ele poderia ter sido evitado. A Folha de São Paulo publicou: “conforme declaração do representante do sindicato dos mineiros, o governo chileno sabia do risco e das condições de insegurança daquele trabalho e preferiu não fechar a mina por motivos econômicos”. Ao mesmo tempo, jornais internacionais publicaram: “Um estudo do banco suiço Ubs revela que, em todo o mundo, os trabalhadores que têm horários de trabalho mais prolongados e pesados são os do Chile. Em Santiago, os operários mais pobres e mineiros da região devem trabalhar ao menos 51 horas por semana, diferentemente da média nacional que já é alta: 48 horas. Eles trabalham 2.754 horas de trabalho por ano. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera isso uma exploração semi-escravista” (Internazionale 869, 18- 22/ 10/ 2010, p. 26).

No mundo inteiro, a precariedade das condições de trabalho tem aumentado. Em vários países, os trabalhadores suportam isso por causa da ameaça do desemprego estrutural que atinge proporções nunca vistas, mesmo na Europa e nos Estados Unidos. Além disso, as empresas aprimoram, cada dia, a capacidade de lucrar mais e com menos custos, mesmo se isso acarreta riscos para os trabalhadores. No Brasil, as condições de trabalho de operários/as em fábricas de tecido e confecção em São Paulo são quase sempre de sobrecarga de horário e salários ilegais, enquanto, no campo, lavradores lidam com trabalhos temporários, em condições de salubridade perigosa. Diversos agrotóxicos, mesmo quando manipulados com máscaras e luvas, provocam enfermidades graves e depressões.

Na maior parte dos países do mundo, este modelo econômico desumano, responsável pelo desemprego massivo dos pobres e destruidor da natureza, se impõe como dogma. Seus adeptos insistem que não existe alternativa ao modelo capitalista neo-liberal. Na América Latina, países como o da Bolívia e da Venezuela, a partir das novas constituições aprovadas pela maioria do povo, ensaiam um modelo de tipo socialista democrático e baseado não na velha teoria marxista e sim nas culturas comunitárias dos povos indígenas. Em vários países do mundo, mesmo governos conservadores investem pesquisas e iniciativas no que se chama economia solidária. Na Europa, “mais de um milhão de pessoas trabalham na ação social e vêem a economia solidária como um laboratório de luta contra a pobreza injusta. Cada vez mais, se investe nos diversos tipos de micro-crédito em tudo que possa ajudar as pessoas pobres a se libertar social e economicamente” (Le Monde, Economie, 26/ 10/ 2010).

No Brasil, nos últimos oito anos, o governo deu uma nova força à “economia solidária”. Este tipo de economia vem se apresentando, nos últimos anos, como alternativa para gerar trabalho e renda e é, sem dúvida, uma resposta a favor da inclusão social. Economia solidária envolve várias práticas econômicas e sociais, organizadas sob a forma de cooperativas, associações, clubes de troca, empresas autogestionárias, redes de cooperação, entre outras, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário. Há oito anos, o governo brasileiro criou uma Secretaria especial da Presidência da República para a Economia Soldária.

A Campanha da Fraternidade ecumênica deste ano de 2010 foi sobre Fraternidade e Economia. Mobilizou cristãos de várias Igrejas com o apelo de buscarmos juntos um modelo econômico que expresse um cuidado com todo ser humano e com a natureza. Precisamos de um fórum inter-religioso e até trans-religioso em defesa da vida e da solidariedade universal.

Por Marcelo Barros, Monge Beneditino, ao Brasil de Fato



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