Com as chuvas que estão levando a vida de centenas de pessoas e lavando a incompetência de nossos governantes, alguns assuntos não tiveram o destaque que deveriam. Um dos assuntos é a operação montada contra o transporte coletivo na cidade de São Paulo. Sim, porque se não foi coisa orquestrada para dificultar a vida de quem não tem ou não quer usar carro, isso é claramente um indício de falta de competência e de senso de política pública. Como sei que nossos administradores, de hoje e de ontem, foram pessoas da mais alta competência e dedicação à res publica, boto fé na opção do conluio…
A tarifa de ônibus saltou de R$ 2,70 para R$ 3,00 no dia 05 de janeiro – 11% de reajuste quando a inflação, em 2010, em São Paulo, foi de 5,83%, de acordo com a Fipe. O metrô, que oferece um serviço nitidamente superior aos seus usuários, custa menos. E não estou nem falando dos atrasos, da superlotação, do desconforto ou de quão obsoletos são os coletivos. Vamos para algo mais básico: baratas. Isso, baratas, como aquelas que os usuários dos ônibus da Zona Leste são obrigados a matar roteineiramente, conforme matéria da Folha de S. Paulo publicada no mês passado.
Aí, quando a população resolve sair da toca e protestar o que acontece? Balas de borracha nos estudantes (que é para aprenderem, desde cedo, quem manda e quem obedece), gás de pimenta (lembrando que o Estado usou o mesmo expediente, no ano passado, em um protesto de moradores do Jardim Pantanal que haviam perdido tudo o que tinham, tragados pela merda nas enchentes) e outros apetrechos usados pela nossa democracia para respeitar a cidadania. Entre as centenas de manifestantes, houve feridos, presos, enfim, o caos. Poucas horas depois, ouvi da boca de um proprietário de um carrão novo o seguinte comentário sobre o ocorrido: “Tem que botar esses vagabundos para trabalhar. O que eles querem? Que a cidade custeie o transporte deles para a balada?”
Ai, ai, nessas horas é que contar até dez e responder com educação, repassando para o sujeitoum ótimo vídeo do genial Marcelo Adnet.
Sim, a cidade tem que manter uma política de subsídios para o transporte coletivo a fim de estimular seu uso em detrimento ao transporte individual. Se não garantirmos opções boas e acessíveis, não conseguiremos conseguir desarmar uma das piores bomba-relógio da maior cidade do país que algum momento vai estourar.
(Cotidiano – São Paulo, 16 de janeiro de 2051: A prefeitura de São Paulo fará, neste domingo, um show para comemorar a retirada da última carcaça de automóvel do Grande Congestionamento de 2044. Na ocasião, o trânsito da capital paulista travou por 24 horas. Os motoristas abandonaram seus carros e a prefeitura considerou que seria mais simples depositar concreto sobre os veículos, construindo vias expressas mais modernas e tirando 18 milhões de carros de circulação.)
E não é só evitar que o preço da passagem suba, e sim garantir qualidade e conforto para trazer o público não usuário de transporte coletivo para dentro deles (e aos poucos, é claro, porque não tenho tanta esperança na classe média paulistana assim). Enquanto isso, encarecer o transporte individual a ponto de ser um mal negócio usar carro a todo o momento – destinar os recursos de taxas e afins à ampliação da rede pública.
Com esse reajuste do dia 05, combinado com o do preço dos táxis (+18%), seguimos na toada de incentivar o transporte motorizado individual (porque novas ciclovias que é bom, neca, só de final de semana para as famílias passearem). E vamos incentivando a compra tresloucada de carros – durante a crise econômica global, quando se discutiu contrapartidas trabalhistas, sociais e ambientais às montadoras que receberam benefícios de bilhões, chiaram as velhas e boas carpideiras do mercado, dando entrevistas às rádios pelo viva-voz de seus SUVs, bradando que o papel do Estado não é impor condições. Por que, afinal de contas, todos nós sabemos que o papel do Estado é dar tiro em estudante para proteger a integridade do status quo.
Isso sem contar que mantemos o metrô com grandes inaugurações apenas em anos pares (quem advinhar o porquê ganha um bilhete múltiplo de 17).
Em se tratando de metrô, temos que ficar com dois pés atrás. Ou com os dois olhos no chão. Por aqui, cidadãos comuns morrem em acidentes ocorridos em obras sob responsabilidade de empreiteiras contratadas pelo governo, como foi o caso da linha 4, em que o chão se abriu e engoliu quem estava perto. Em Salvador, a construção do metrô de tão lenta virou piada padrão entre taxistas. Em Brasília, as obras passaram anos atoladas na lama de denúncias.
Fui guardando ao longo do tempo aqueles folhetinhos do metrô com a malha existente e a projetada. No mundo da fantasia, a população, que passa perrengue com o transporte público, tem uma malha metroviária fantástica à disposição. Será que se juntar todos esses folhetinhos, posso processar o Estado por propagando enganosa?
Melhor não. Do jeito em que andam as coisas, protestar contra transporte ruim por aqui pode significar levar borrachada da polícia militar.
Por Leonardo Sakamoto ao seu BLOG
5 comentários:
Vídeo "Repressao da PM contra estudantes em SP (Vídeo completo)"
16 de janeiro de 2011 às 23:24http://www.youtube.com/watch?v=dDOm6g2V3ds&feature=player_embedded
Como sempre a covardia e a impunidade da PM de São Paulo nos da nojo!
17 de janeiro de 2011 às 22:42A elitezinha expressando sua opinião sem fundamento, nojentinha, típica de quem assiste Jornal Nacional e lê revista Veja; O governo burguês todo poderoso, acima de tudo e todos reprimindo protestos pacíficos que buscam apenas melhorias sociais; e a PM, meros lacaios dos governantes fazendo o que melhor sabem fazer, agir com violência.
18 de janeiro de 2011 às 18:55E com tudo isso, a hegemonia PSDB continua em nosso estado...
Outra coisa além da repressão da PM contra os manifestantes é a repressão oculta por trás do Afroreggae, que já presenciei dezenas de vezes pessoas com "dreadlocks" sendo enquadradas pela polícia, ou seja, ser contra o sistema conservador significa crime, que grande democracia vivemos hoje!
21 de janeiro de 2011 às 01:09Todo e qualquer cidadão que seja diferente será passível de repreensão. E melhor seria se isso fosse um problema SÓ com a PM,é um problema com a sociedade em geral. As próprias pessoas fazem julgamentos precipitados em relação a qualquer outro que se vista diferente, tenha "dreadlock" como vc citou, tatuagens, alargadores, seja muito forte, muito magro, muito gordo. Vivemos dentro de um mundo estereotipado, fabricado pela mídia e pelas grandes empresas. A PM age assim por serem meros fantoches
21 de janeiro de 2011 às 04:59Postar um comentário