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Traduções Bukows #5 e 6: "um poema é uma cidade" e "poema de uma noite escura"

sábado, 29 de setembro de 2012


um poema é uma cidade


um poema é uma cidade repleta de ruas e de esgotos
repleta de santos, heróis, mendigos, loucos,
repleta de banalidades e embriaguez,
repleta de chuvas e trovões e períodos de
seca, um poema é uma cidade em guerra,
um poema é uma cidade perguntando porquê a um relógio,
um poema é uma cidade em chamas,
um poema é uma cidade sob armas
é barbearias cheias de bêbados cínicos,
um poema é uma cidade onde Deus cavalga pelado
pelas das ruas como Lady Godiva,
onde cachorros latem a noite, e correm atrás
da bandeira; um poema é uma cidade de poetas,
a maioria deles muito parecidos
e invejosos e amargos...
um poema é essa cidade agora,
a 50 milhas de lugar nenhum,
às 9:09 da manhã,
o gosto de bebida e de cigarros,
sem policia, sem amantes, andando pelas ruas,
esse poema, essa cidade, fechando suas portas,
barricada, quase vazia,
lúgubre sem lágrimas, envelhecendo sem dó,
as montanhas de rochas rígidas,
o oceano como uma chama lavanda,
uma lua destituída de grandiosidade,
uma pequena música de janelas quebradas...

um poema é uma cidade, um poema é uma nação,
um poema é o mundo...

e agora eu grudo isso sob o vidro
para o escrutínio do editor louco,
e a noite está em outro lugar
e senhoras tênues cinzentas ficam em fila,
cachorro segue cachorro ao estuário,
os trompetes trazem forcas
enquanto pequenos homens discursam sobre coisas
que eles não podem fazer.



poema de uma noite escura


eles dizem que
nada é em desperdício.
ou isso
ou tudo o é.


(Charles Bukowski)
Traduzido por Felipe Ribeiro

Da melancolia de duvidar

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Gosto de pensar na vida,
nasci curioso, falante.
Quando criança, esse desejo indiscreto
me fazia indagar das coisas mais simples:
do céu, da existência das estrelas, das asas dos pássaros.

Pensar no mundo traz uma dualidade de emoções -
é estar admirado e estar aflito,
é ser esperançoso e angustiado,
é ter certeza e dúvida.

Gosto de pensar na vida,
cresci interessado, inquieto.
Quando jovem, esse desejo constante
me fazia indagar das coisas rotineiras:
da riqueza e da pobreza, da existência do amor, da lealdade do cachorro.

Dúvidas... duvidar me fez querer fugir,
conhecer o mundo, escapar da realidade.
Em busca de uma resposta que me explicasse
tudo aquilo que eu queria entender.

Gosto de pensar na vida,
sou questionador, inconformado.
Hoje, esse desejo perseverante, importuno
me faz indagar das coisas mais controversas:
da justiça, da existência de deus, do coração do homem.

E cada vez que isso acontece,
eu me sinto melancólico.
Compreendo que questionar o mundo,
além de árduo, não tem volta... não tem fim.





de mim mesmo.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

zum-zum
e o mundo gira, a folha cai, a semente germina,
a doença é contraída, o corpo desfalece,
a alma geme e o dorso também, 
o pau entra, o umbigo ondula,
de quem é essa vida, se não minha e sua?

gotejando na janela a leve garoa
você pede por uma chance e ninguém a concede
você canta do mesmo jeito.

esse arco-íris de emoções --- e não,
não posso dá-lo a você.
o vão da porta da porta está exposto e ali, pelo canto, eu me exprimo.

qual é a cor da caneta que assinou?
estamos todos autorizados a viver assim.
todos sabem:
as árvores chacoalham e a moita esconde a flor a florir
- metáfora da poesia.

a camisa é feita de sete botões
e de botão em botão se faz o peito,
feito o peito se desfaz a roupa.
nu, sujo, pobre
assim se faz o homem.

romântico mas nunca conquistou um amor,
agonia dias a noites,
seios imaginários balançando em sua frente,
a textura de uma vagina faz cócegas em sua boca.

o homem exala o que ele mesmo é.
reza e pede desculpas a Deus
por Ele mesmo ser o seu criador,
imaginando que Ele tenha uma boa desculpa.

a batida, o ritmo....
ninguém entende nada.
e é por isso que se dança,
que se bebe e que se fode!
quem é mais fodido se não próprio?
impróprio é aquele que levanta o braço
para esmurrar a própria cabeça.

permita-me me apresentar.
sou criador do céu e da terra,
pai da puta e do bêbado,
sou o declínio mirabolante
diante de uma prateleira com diversas fragrâncias.
mas não me chame pelo meu nome,
pois este foi me dado pelo meu pai
que traçou a minha mãe.

o rosto está apagado
dentro do saco-envelope de cor nauseante,
a palheta por debaixo, a dedilhar uma melodia incompreensível....

que belo dia!
a chuva, o ônibus lotado e todos nós fedendo.
que perfume melhor a vida tem para nos oferecer?

corre que ainda dá tempo
de eu abrir mais uma garrafa.

que é você? se não um quarto com portas e janelas fechadas?
fotografias penduradas na parede cor de azul....

somos todos virgens por nos recusarmos a fazer amor.

a voz ecoa do outro lado do telefone
do outro lado do mundo
outro mundo --- quem serei eu nele?
eu morro em mim mas sobrevivo no outro.
ainda não tive a sorte de morrer,
mas quanto o tiver, prometo que te conto
tin-tin por tin-tin.

o mundo em sua frente
parece com uma parede toda branca
sem gosto, sem som, sem cheiro....
cheiro de cocaína.

giro para ficar tonto
e me debruço sobre papel e lapiseira:
sou incapaz de tudo
e tudo vomito.
mas não resta tempo,
dou a descarga
e lá se vai aquele rosto envelhecido.

paro e repouso minhas mãos sobre meus joelhos.
quero ser enganado,
pois o que quero é me desapegar
e pegar a criança a cair
e pô-la no colo de sua mãe
e por-me ali também....
quero me hospedar entre as paredes do útero.
o ultimo que fez isso,
já não jaz aqui para nos contar.

e o que há para se contar se não mentiras?
o xixi na calça não passa de suco de laranja.
e do que adianta a verdade?
é um incomodo,
um comodo nesse mundo cru --- cruel

doce mel --- doce coisa nenhuma!
pois a abelha que o fabricou me picou.
arranco o ferrão e da fenda se põe a vazar
tudo o que um dia achei estar tão bem guardado....
é inútil tentar pegar o que cai no chão
porque o chão não é lugar que se alcance.

e pensar na infância? rostos, vozes, amigos....
o tempo é o rastro de você mesmo
e, que eu saiba, só eu existo:
palmas para mim.

fim.

Do sentimento de um eterno efêmero

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


A vida é o eterno duelo entre felicidade e tristeza, ao passo que a vida em plenitude é a convivência harmônica e simultânea de ambos os sentimentos. É quando se entende menos o mundo e mais a si mesmo; é quando cada nova pergunta é respondida por nossa alma, mas simplesmente, não pode ser expressa, nem descrita.


Traduções Bukowski #4: "gato malhado"

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

gato malhado




ele usa calça jeans e tênis
e anda com duas garotas jovens
mais ou menos de sua idade.
de vez em quando ele salta
no ar e 
bate os calcanhares.

ele é como um potro jovem
mas de alguma forma ele também me lembra
um gato malhado.

sua bunda é macia e 
ele não tem mais na sua mente
do que tem uma mosca.

ele pula atrás de suas garotas
batendo os calcanhares.

e ele puxa o cabelo de uma
corre para a outra e
aperta seu pescoço.

ele fodeu as duas e
está satisfeito consigo mesmo.
tudo aconteceu
tão fácil para ele.

e eu penso, ah,
meu pequeno gato malhado
que dias e noites
esperam por você.

sua bunda macia será o fim de seu mundo.
sua agonia
será interminável
e as garotas
que agora são suas
logo pertencerão a outros homens
que não conseguiram seus biscoitos
e cremes tão fácil e
tão cedo.

as garotas estão treinando com você
as garotas estão se preparando para outros homens.
para alguém de fora da selva
para alguém de fora da jaula do leão.

eu sorrio enquanto
eu vejo você andando
batendo os calcanhares.

meu deus, garoto, eu temo por você
na noite
em que você se der conta pela primeira vez.

agora é um dia ensolarado.

pule
enquanto
pode.

(Charles Bukowski)
Traduzido por Felipe Ribeiro



A passagem do tempo: análise da música "Time" (Pink Floyd)


A passagem do tempo



Dark Side of The Moon é uma obra, sem dúvidas, muito bem formada na ideia de album conceitual, além de, claro, ser musicalmente sensacional. Isso quer dizer que além de fornecer ótima qualidade musical – misturas de diversos sons, letras que nos fazem querer decora-las e entende-las e belíssimos solos de guitarras acompanhados pela voz encantadora de David Gilmour, o álbum também explora um vasto terreno de conceitos, não só através de suas letras, mas também por essa já citada mistura de sons (como se percebe em Speak to Me, On the Run, Great Gig in The sky).

Só para ter uma idéia, aparece muitas vezes no album, o som de uma batida de coração, que pode representar a vida nos seus pontos mais vitais e a necessidade de viver uma vida própria como se vê em Speak to Me/Breathe, ou a questão da passagem do tempo como vemos em Time, ou a crítica às várias controvérsias sobre o dinheiro, não criticando apenas o consumismo, mas também criticando a própria crítica ao dinheiro, como vemos em Money, quando a letra diz: “Money, it’s a crime, share it farely but don’t take a slice of my pie” ou “Money, so they say, is the root of all evil today, but if you ask for a rise it’s no surprise that they are giving none away”. Não vou tentar expor minuciosamente os conceitos explorados por essa obra, pois acho muito importante que cada um tenha suas próprias imagens e ideias ao escutar  uma música, além de que o número de conceitos presentes no Dark Side of The Moon é tão grande quanto for a nossa capacidade de interpretar. Ademais, este álbum seria apenas o primeiro de outros álbuns conceituais do Pink Floyd, como seriam o Wish You Were Here, Animals e o The Wall. 

Vou apenas mostrar aqui uma interpretação de uma das músicas presentes no Dark Side.

Time

Ano após ano, é muito comum ouvirmos – e até mesmo pensarmos, coisas como: “nossa! como esse ano passou rápido” ou “cada ano que passa parece ficar mais curto”, já até chegaram a me dizer “depois dos 18, os seus anos vão voar”. Acredito que todo mundo já tenha escutado algo parecido.

De fato, quanto mais envelhecemos, mais nos parece que os anos se aceleram, que o tempo se contraí, acabamos ficando sem tempo para nós mesmo ou para simplesmente "ver o tempo passar". Essa idéia de um tempo contraído, que aumenta quanto mais o tempo passa, é realmente muito presente na contemporaneidade, principalmente nas grandes cidades, onde tudo é extremamente rotineiro e apressado. Mais ainda: cresce também aquela vontade frustrante de recuperar o tempo perdido. Acima de tudo isso, o tédio vigora. Tudo que é bom parece se tornar menos durável e, como todo o resto, vira passageiro. Sempre estamos invejando algum tempo mais jovem. Somos sufocados pela falta de tempo e quando temos uma folguinha, não sabemos aproveitar e o tempo se torna maçante.

Parênteses. Com os avanços tecnologicos mais recentes, que proporcionam a criação de diversos aparelhos portáveis, essa sensação de que temos pouco tempo para nós mesmo só aumenta. Agora é possível ouvir música enquanto anda na rua, ver TV e ter uma biblioteca na palma da sua mão enquanto se está no metro, por exemplo. Não acho isso extremamente ruim, mas o ponto vital de pelo menos tentar apreciar completamente uma música, uma obra literária, ou um filme, é estar no conforto de um lar, num teatro, numa biblioteca, num cinema ou em outro lugar apropriado, com tempo para pensar, num momento relaxante e prazeroso, sem ter que estar preocupado em olhar para os dois lados da rua antes de atravessar, ou em enfretar a lotação dos trens e metros. Quero dizer que nessa vida rotineira, o lar (e esses ambientes culturais, por assim dizer) passa a ter um valor reduzido e pouco confortavel, ele também cai na temporalidade contraída. Deixo aqui uma possível interpretação da reprise de Breathe, no final da música Time, quando a letra diz: “Home, home again. I like to be here, when I can. When I come home, cold and tired, it’s good to warm my bones beside the fire”. Isto é, já vivendo numa rotina que contrai nosso tempo (em que tudo é muito estressante e, acima de tudo, tedioso) se levarmos nossas atividades recreativas (que deveriam ser exercidas no conforto relaxante de um ambiente apropriado, com tempo para refletir, que nada mais é do que o clichê de termos mais tempo para nós mesmo) para a nossa rotina, onde o tempo é contraído, os valores podem se perder: nossas casas se tornam um lugar de passagem, como é o trem, o metro, o onibus, o refeitorio da faculdade ou do trabalho e nos tornamos pouco capazes de compreender ou até mesmo criar arte. A arte, enquanto como eu a vejo, está na contramão dessa sua submissão ao cotidiano.

Ok. Voltando a primeira ideia, aquela de como o tempo parece passar mais rápido a cada ano que envelhecemos. E vamos aqui olhar para a música Time. A minha interpretação dessa música diz exatamente respeito à essa sensação que temos de que o tempo se contrai quanto mais os anos passam. Não vou falar da música inteira, somente do começo da música, a parte antes de entrar os vocais, onde ficam apenas umas 2-3 notas tocando com um rázoavel espaço de tempo entre elas. 

Reparem: no começo, as duas primeiras notas soam mais tranquilas; entre elas, prevalece o silêncio, que podemos chamar de ‘tempo livre’ (percebam as analogias). Enquanto as notas vão passando (isto é, enquanto os anos se passam), resta cada vez menos desse silencio entre as notas, menos desse ‘tempo livre’, a percussão vai ficando cada vez mais presente, mais acelerada, mais intensa, até que chega a um ponto que a percussão preenche todo o ‘tempo livre’ entre uma nota e outra. Além disso, a maneira calma e estavel como cada nota se intercala não parece ser compátivel com a crescente velocidade e intensidade da percussão, cria-se um momente pertubador, cansativo, assim como o é o nosso dia-a-dia. Surge a sensação de que o tempo entre cada nota está se contraindo, quando na verdade, ele permanece o mesmo. 

Pois era de tudo isso que estavamos falando agora: a sensação presente de como cada ano parece passar mais rápido, quantos mais anos se passam e de como temos pouco tempo livre, embora todos os anos durem os mesmos 365 dias (exceto alguns que duram 366 hehe). A ideia aqui é tentar mostrar como a música em sua composição é capaz de despertar diversas das nossas sensações, sejam ela presentes ou passadas. Além disso entra aqui a questão de que a música deveria servir para nos ensinar a passar o tempo. Temos então uma música que, enquanto na sua ideia geral de música (não especificamente essa música), serve para nos ensinar a passar o tempo, enquanto essa música na sua especifidade (Time do Pink Floyd) mostra como não sabemos ver o tempo passar, o tempo se contraí, não percebemos e quando o fazemos é tarde demais e ficamos tentando correr atrás do Sol que está afundando e dando a volta para vir por trás de nós novamente.

O tempo passa e com isso, somos tomados por obrigações frustantes e fatigantes, geralmente que ainda servem para suprir um interesse alheio a nós mesmos. O tempo se perde, por não pertencer a nós mesmos, e ainda se contrai devido a essas ocupações toscas. Ficamos atordoados e quando o tempo cai em nossa posse, mal sabemos o que  fazer o que ele. A passagem da vida, temporalmente, é oprimida por esse tempo contraído do contemporâneo.

Vou terminar por aqui, só deixando aberto, mostrando como é possível interpretar até coisas que nunca damos muita importância numa música. Só mais uma coisa: nesse sentido, a música é perfeita para nos ensinar a passar o tempo. Curtam aí, Time do Pink Floyd.

Traduções Bukowski #3: "o cadarço"

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

o cadarço


uma mulher, um
pneu furado, uma
doença, um
desejo; medos na sua frente,
medos que se seguram tão firme
que você pode estuda-los
como peças em um
tabuleiro de xadrez...
não são as coisas grandes que
mandam um homem para o
hospicio. para a morte ele está preparado, ou
assassinato, incesto, roubo, incendio, inundação...
não, é a série contínua de pequenas tragédias
que mandam um homem para o
hospicio...
não a morte de seu amor
mas um cadarço que se arrebenta
sem tempo de sobra...
o pavor da vida
é essa multidão de trivialidades
que podem matar mais rápido do que cancer
e que sempre estão presentes –
emplacamentos ou impostos
ou uma carteira de motorista vencida,
ou contração ou demissão,
fazendo-os ou tendo-os feito a você, ou
constipação
multas de transito
formigas ou grilos ou ratos ou cupins ou
baratas ou moscas ou um
gancho quebrado em uma
rede, ou sem gasolina
ou com gasolina demais,
a pia entupiu, o senhorio está bebado,
o presidente não se importa e o governador está
louco.
interruptor quebrado, colchão como um
porco-espinho;
$105 por um ajuste, carburador e bomba de combustível na
Sears Roebuck;
e a conta de telefone subiu e o mercado
caiu
e a corrente da descarga está
quebrada,
e a luz está queimada –
a luz do salão, a luz da frente, a luz de trás,
a luz interior; está
mais escuro do que o inferno
e duas vezes mais
caro.
então há sempre chatos e unhas encravadas
e pessoas que insistem que são
seus amigos;
há sempre tudo isso e pior;
torneira vazando, Cristo e o Natal;
salame estragado, 9 dias de chuva,
abacates de 50 centavos
e língua de figado
roxeada.

ou fazendo-o
como uma garçonete do Norm’s na troca de turnos,
ou como um esvaziador de
penicos,
ou como um lava-rápidos ou um assistente de garçons
ou um ladrão de bolsas de velhinas
deixando-as gritando nas calçadas
com braços quebrados aos 80
anos de idade.

subitamente
2 luzes vermelhas no seu retrovisor
e sangue na sua
cueca;
dor de dente, e $979 por um canal
$300 por um dente de
ouro,
e a China a Rússia e a América, e
cabelo longo e cabelo curto e 
cabelo nenhum, e barbas e sem
rostos, e um monte de zigzag mas sem sucesso
nenhum, exceto talvez por um cara mijando e 
o outro em volta das suas
tripas.

com cada cadarço arrebentado
de cem cadarços arrebentados,
um homem, uma mulher, uma
coisa
entra num
hospicio.

então cuidado
quando você
se curvar.

(Charles Bukowski)
Traduzido por Felipe Ribeiro

o grito de Janis Joplin.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

aquele grito não é
só voz.
tem algo ali para além
de tudo e de todos
nós.

não é só um grito
que sai de sua garganta.
sua força não vem apenas
de suas cordas vocais.

ela precisa chutar alguma
coisa para fora de seu corpo.
existe alguma coisa
urgindo desesperadamente
para sair de dentro dela.

aquele grito é capaz
de expulsar um demonio.
o maldito nunca mais
vai voltar.

um grito desesperado
lutando para nascer
lutando para permanecer 
vivo.

com pressa
para dizer o que tem que ser dito.

há algo para além
de nossa existência
naquele
grito.

para além de nossa
compreensão.

a última refeição de 
um condenado
à pena de morte.

a urgência de
estar vivo.

não nos resta tempo.
ele toma conta de você,
corpo e alma,
completamente.

percorre sua espinha
como uma erupção
saindo pela boca.
um urro, um
uivo.
uma necessidade de
declarar...
a vida!

aquele grito te faz
despertar.
ele te ergue e te 
faz rodopiar 
por toda a eternidade.

é como se ela te
pegasse pelos braços
te levantasse para o alto,
cada vez mais alto
e mais alto.
você suspenso no céu
suas pernas balançando.
e então ela te devolve à Terra
com um chute .
te traz de volta de uma vez só
sem misericórdia
põe o chão embaixo de seus pés

o sonho mais incrível que você já teve.

eu vivo por esses
dez segundos.

não há motivos para chorar.
ela diz:
"o único motivo que tenho para você chorar
é esse:"
e então ela grita
e preenche a sala inteira
com todas as vidas vazias presentes.
"então chore, baby
chore porque você está 
vivo.
entre nisso.
mergulhe de cabeça
e traga o resto de você
junto."

você entende tudo.
espalhado por todo mundo
por todo o tempo.
você é passado, presente
e futuro.

você grita junto
com ela.
você tem certeza de que está lá
dividindo o palco
com Janis Joplin.

ela grita
grita
e nunca acaba

e esse grito

esses dez segundos

me fazem chorar,

baby


O pão do povo

domingo, 9 de setembro de 2012

A justiça é o pão do povo.
Às vezes bastante, às vezes pouca.
Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim.
Quando o pão é pouco, há fome.
Quando o pão é ruim, há descontentamento.

Fora com a justiça ruim!
Cozida sem amor, amassada sem saber!
A justiça sem sabor, cuja casca é cinzenta!
A justiça de ontem, que chega tarde demais!
Quando o pão é bom e bastante
O resto da refeição pode ser perdoado.
Não pode haver logo tudo em abundância.
Alimentado do pão da justiça
Pode ser feito o trabalho
De que resulta a abundância.

Como é necessário o pão diário
É necessária a justiça diária.
Sim, mesmo várias vezes ao dia.

De manhã, à noite, no trabalho, no prazer.
No trabalho que é prazer.
Nos tempos duros e nos felizes.
O povo necessita do pão diário
Da justiça, bastante e saudável.
Sendo o pão da justiça tão importante
Quem, amigos, deve prepará-lo?

Quem prepara o outro pão?

Assim como o outro pão
Deve o pão da justiça
Ser preparado pelo povo.

Bastante, saudável, diário.


Bertolt Brecht

Traduções Bukowski #2: "o inferno é um lugar solitário"

o inferno é um lugar solitário


ele tinha 65 anos, sua mulher tinha 66, tinha
mal de Alzheimer.

ele tinha câncer na
boca.
haviam
operações, tratamentos
radioativos 
que deterioraram os ossos de sua
mandíbula
que então tiveram de ser
presos com arame.

diariamente ele põe sua mulher em
fraldas de borracha
como um
bebê.

não podendo dirigir em sua
condição
ele teve que pegar um taxi para
o centro
médico,
tinha dificuldade para falar,
teve que
anotar as direções.

na sua última visita
eles o informaram que
haveria outra operação: um pouco mais de 
bochecha
esquerda e um pouco mais de língua.

quando ele voltou
ele trocou as fraldas de sua 
mulher
colocou a comida no
microondas, assistiu ao
jornal da noite
e daí foi para o 
quarto, pegou a
arma, colocou na têmpora
dela, atirou.

ela caiu para a 
esquerda, ele sentou no
sofá
colocou a arma na sua
boca, puxou o
gatilho.

os tiros não perturbaram
os vizinhos.

mais tarde
a comida queimada no microondas
perturbou.

alguém chegou, abriu
a porta, viu
tudo aquilo.

logo
a polícia chegou e 
percorreu a rotina
deles, acharam
alguns itens:
um talão de cheques e
uma poupança
fechada com um
balanço de
$1,14

suicídio, eles
deduziram.
em três semanas
haviam dois 
novos inquilinos:
um engenheiro de computação
chamado
Ross
e sua mulher
Anatana
que estudava
balé.

eles pareciam outro
casal
ascendente.

(Charles Bukowski)
Traduzido por Felipe Ribeiro

Debate dos prefeituravéis de SCS na OAB

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Infelizmente está faltando uma parte do vídeo no final do debate. E a gravação não está lá essas coisas mas da pra entender. Não vou ficar expondo minha opinião a respeito dos candidatos, fica claro assistindo ao vídeo quem vive numa São Caetano fictícia.




Traduções Bukowski #1: "a crise"


Traduções Bukowski



Nessas férias, ganhei um presente da minha irmã: uma coletânea de poemas do Bukowski chamada Pleasures of the Damned, em inglês. São mais de 500 páginas contendo poemas selecionados do velho safado. E eu resolvi começar a marcar os poemas que eu mais gostei do livro e ainda resolvi começar a traduzi-los por simples diversão e também por demonstrar minha admiração por esse poeta (o que não é muito complicado, pois a composição de um poema dele está distante de qualquer forma ou estilo sofisticado, são apenas palavras duras, dizendo o que tem que ser dito).

A ideia é traduzir todos os poemas e postá-los aqui, um por semana, ou até mais. Pretendo cumprir essa meta sem atrasos. A ordem será diversificada - vou postar o poema que me der vontade. 

Mas em fim, nada disso é importante, então aqui vai o primeiro poema.


a crise


demais
de menos

gordo demais
magro demais
ou ninguém.

risadas e
lágrimas

odiadores
amantes

estranhos com rostos iguais
à parte de trás de
uma taxinha

exércitos correndo pelas
ruas de sangue
acenando garrafas de vinho
baionetando e fodendo
virgens.

ou um cara velho em um quarto barato
com uma foto de M. Monroe.

existe uma solidão tão grande nesse mundo
que é possível vê-lá no lento movimento
dos ponteiros de um relógio.

pessoas tão cansadas
multiladas
ora por amor ora por falta de amor.

as pessoas simplesmente não são boas entre si
uma a uma

o rico não é bom com o rico
o pobre não é bom com o pobre.

nós estamos com medo.

nosso sistema educacional nos diz
que todos nós somos
vencedores bundões.

ele não nos disse nada
sobre as sarjetas
ou sobre os suicídios.

ou sobre o terror de uma pessoa
agonizando em qualquer lugar
sozinha

intocado
não mencionado.

regando uma planta.

as pessoas não são boas entre si.
as pessoas não são boas entre si.
as pessoas não são boas entre si.

suponho que elas nunca serão.
eu não peço que elas sejam.

mas algumas vezes eu penso sobre
isso

as contas vão pendurar
a nuvens vão nublar
e o assassino vai decapitar a criança
como morder um pedaço de um sorvete em cone.

demais
de menos
gordo demais
magro demais
ou ninguém

mais odiadores do que amantes.

as pessoas não são boas entre si.
talvez se elas fossem
nossas mortes não seriam assim tão tristes.

enquanto isso eu olho para a haste das
garotas jovens
flores da chance.

deve haver uma maneira.

com certeza deve haver uma maneira da qual ainda
não pensamos.

quem colocou esse cérebro dentro de mim?

ele chora
ele exige
ele diz que há uma chance

eu não vou dizer
“não”.

(Charles Bukowski)

Traduzido por Felipe Ribeiro


 

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